
Se você perguntar a um adolescente o que ele acha de “ser CLT”, a resposta provavelmente virá carregada de memes e desdém. Virou moda odiar a carteira assinada – ou, como dizem nas redes, “ser um fracassado”. A geração que cresceu vendo pais exaustos pegando ônibus lotado e levando bronca de chefe agora sonha em virar influencer, abrir um MEI ou “fazer dinheiro enquanto dorme”. E, cá entre nós, quem pode culpá-los?
Mas há um paradoxo aí. Muitos dos empresários que hoje reclamam que “ninguém quer trabalhar” começaram ralando no chão de fábrica, no balcão do comércio ou no trator da roça – muitas vezes, sem diploma e com a CLT como único porto seguro. Eles sabem que o trabalho duro (e formal) foi a escada para chegar onde estão. Só que o jovem de hoje não enxerga futuro nesse modelo. Para ele, CLT é sinônimo de: acordar às 5h, ganhar pouco e ainda ter que engolir humilhação.
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A internet amplificou esse sentimento – e criou uma distorção perigosa. Os algoritmos nos mostram apenas os casos de sucesso: o influencer de 20 anos que já tem mansão, o jovem que “enriqueceu” com NFTs, o coach que promete liberdade financeira em seis meses; o advogado que não advoga e que ensina a advogar.
O que não aparece são os milhares que tentam e fracassam, os “uberizados” do digital, que trabalham 12 horas por dia para ganhar menos que um salário mínimo, sem férias ou FGTS. Vivemos na era da comparação tóxica: enxergamos só o topo do iceberg e achamos que ele é a regra, não a exceção.
De um lado, influencers vendem a ilusão do “empreendedorismo digital” como fórmula mágica – basta postar um vídeo e ficar rico. Do outro, a CLT virou piada: “Deus me livre ser CLT a vida toda”, dizem os memes. Só que a realidade é menos glamorosa: menos de 2% dos que tentam carreira digital conseguem viver disso. O resto vira “uber da internet”, ganhando menos que um salário mínimo, sem direitos ou segurança.
A verdade é que o problema não é a CLT em si, mas o que ela representa hoje: um sistema engessado, que não conversa com quem quer flexibilidade ou um mínimo de dignidade. Ninguém quer passar 30 anos numa empresa só para se aposentar quebrado. Mas também não dá para romantizar a informalidade, onde o trabalhador vira refém da sorte – ou pior, da viralidade.
O que falta é um meio-termo. Por que não criar uma CLT “light” para pequenos negócios, com menos burocracia? Ou incentivos para empresas que ofereçam horários flexíveis e planos de carreira reais? Os jovens não odeiam trabalho – odeiam trabalhar como no século passado. E os empresários que reclamam deles precisam lembrar: no passado, também correram atrás de algo melhor.
No meu dia a dia como advogado trabalhista patronal, ouço muitos empregadores frustrados: “Não acho gente qualificada!”. Mas será que o problema é a “geração mimada” ou um modelo que não se atualizou?
Se a CLT quer sobreviver, precisa parar de ser vista como plano B – “se tudo der errado, viro CLT” – e voltar a ser um caminho que faça sentido. Porque trabalho decente não é privilégio: é o mínimo. E enquanto a internet vender atalhos milagrosos e esconder os tropeços, continuaremos nesse impasse: jovens desiludidos com o formal e empresários sem entender por que ninguém quer mais “ser CLT”.
Sebastião Barbosa Gomes Neto – OAB/GO 50.000
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás
Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET/GO
Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC/MG
Negociador
sebastiaogomesneto.adv.br
Foto: Arquivo Pessoal
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