O governo Lula (PT) estuda a criação de um voucher para permitir que famílias pobres possam comprar até 2 quilos de carne bovina por mês. A ideia foi apresentada por um grupo de pecuaristas de Mato Grosso do Sul (MS) ao ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) numa reunião em Brasília. O nome provisório, sugerido pelos próprios pecuaristas, é “Programa Carne no Prato”.
Teixeira disse ter encaminhado a proposta para análise da Casa Civil e do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Os pecuaristas – entre eles Guilherme Bumlai, filho do empresário José Carlos Bumlai, amigo de Lula e condenado na Lava Jato -, acreditam que o projeto possa beneficiar até 19,5 milhões de pessoas, criando a demanda por mais 2,3 milhões de cabeças de gado ao ano. A proposta é questionada por especialistas ouvidos pelo Estadão.
Em janeiro deste ano, o Bolsa Família atingia em torno de 21 milhões de lares, segundo informações do MDS. Se cada uma dessas famílias recebesse R$ 35 adicionais para comprar carne, o programa custaria aos cofres públicos cerca de R$ 8,8 bilhões por ano. O Estadão apurou que a ideia do “Carne no Prato” foi bem recebida no Desenvolvimento Agrário, mas há dúvidas quanto a restringir as opções dos consumidores somente à carne bovina.
Para Marcelo Neri, economista, ex-presidente do IPEA e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), com pesquisa voltada para a avaliação de políticas sociais, não faz sentido limitar a proposta de incentivo ao consumo de carne vermelha, uma vez que outros tipos de proteína podem ter melhor custo-benefício.
“Se fosse um vale alimentação, a pessoa poderia selecionar entre vários alimentos. No caso desse vale picanha, você está limitando a escolha. Do ponto de vista dos consumidores, não faz muito sentido. Ele é bom para os produtores de carne, então a gente entende porque eles estão propondo. Mas, do ponto de vista dos consumidores e da gestão pública, não acho que faça muito sentido limitar a escolha. Não me parece que carne (vermelha) seja uma prioridade do ponto de vista da segurança alimentar. Carne de frango ou mesmo proteína de soja podem ser soluções mais custo-efetivas”, diz Neri. Além disso, diz ele, a criação de gado tem impactos ambientais que precisam ser levados em conta.
Na avaliação de Alcides Torres, engenheiro agrônomo pela Universidade de São Paulo (USP) e consultor especialista em pecuária de corte na Scot Consultoria, a ideia pode ser boa, desde que existam mecanismos para garantir que os beneficiários realmente usem o dinheiro para consumir proteínas. O nutriente é imprescindível para garantir o desenvolvimento físico e intelectual das crianças, por exemplo, e várias famílias têm dificuldade em comprar carne. Ele diz ainda que o preço pago aos produtores pelo boi gordo nos últimos anos está baixo. Esse valor, diz ele, praticamente não guarda relação com o que é cobrado nos supermercados e restaurantes.
O acesso à carne vermelha e a possibilidade de fazer um churrasco aos fins de semana foi um dos motes extraoficiais da campanha de Lula, durante a disputa eleitoral de 2022. “O povo tem que voltar a comer um churrasquinho, a comer uma picanha e tomar uma cervejinha”, disse o então presidenciável durante uma entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, em agosto de 2022. Logo depois da posse do petista, no começo de 2023, circularam notícias falsas dizendo que o governo iria distribuir “bolsa picanha” à população. Na cidade de Oeiras (PI), a prefeitura teve que divulgar uma nota desmentindo a existência do suposto programa.
Por André Shalders
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