Apesar da longa convivência entre os cachorros e os humanos – alguns estudos indicam que as duas espécies vivem juntas há pelo menos 20 mil anos – é preciso lembrar que o Canis lupus familiaris é uma espécie totalmente diferente do Homo sapiens e por isso, exibe alguns comportamentos que, para nós, podem parecer muito estranhos.
Boa parte deles, no entanto, já está explicada pela ciência. Mesmo assim, gestos e atitudes, que formam a linguagem corporal dos cachorros, ainda são um mistério para a maior parte dos tutores. Às vezes, o desconhecimento gera acidentes; em outras, apenas situações divertidas e inusitadas.
Uma amizade longa e duradoura
Humanos e caninos são extremamente vinculados uns aos outros – não por acaso, diz o ditado que “os cachorros são os melhores amigos dos homens”. Mesmo assim, é preciso lembrar que vivemos com animais que seguiram uma trajetória evolutiva diferente da nossa.
As características, preferências, estratégias de sobrevivência, comunicação, defesa e ataque, brincadeiras, formas para driblar o tédio, relacionamentos familiares e comunitários, hierarquia e tendências geram alguns comportamentos que nós consideramos estranhos.
Para os peludos, no entanto, também deve parecer estranho observar o estranho passar longas horas olhando para um livro ou jornal, vestindo-se de formas diferentes, estabelecendo relações diferenciadas com os outros membros da família e até mesmo com estranhos.
Mesmo assim, as vantagens da convivência, que seguiu o caminho comensal – a aproximação foi positiva para ambos os lados – superam as estranhezas observadas no dia a dia. Estudiosos de comportamento animal já conseguiram decifrar boa parte dessas atitudes.
Conheça alguns comportamentos estranhos dos cachorros
01. Por que os cachorros inclinam a cabeça?
Apesar de parecer que eles estão dialogando com os tutores e até mesmo com estranhos, inclinar a cabeça para um lado tem uma explicação bem mais simples. Afinal, cachorros não entendem a linguagem articulada humana, apesar de poderem associar significados a algumas palavras e entonações.
A inclinação indica que eles estão atentos e alertas. Trata-se de uma resposta à voz humana. Os tutores podem tagarelar à vontade, sem que isso gere um comportamento específico, mas, em alguns momentos, eles nos encaram fixamente, tentando entender o que está sendo dito.
Geralmente, isso ocorre quando nos dirigimos a eles. Os cães não se importam com conversas paralelas e raramente dão atenção a gravações ou transmissões de áudio. Os cientistas chamam o fenômeno de “estímulos auditivos salientes”.
É possível que, ao inclinar a cabeça, os cães estejam associando um termo expresso a uma imagem visual, formada na mente dos peludos. Exames de imagens indicam que as áreas do cérebro relacionadas à criação de imagens mentais são estimuladas quando este comportamento é observado.
De acordo com pesquisadores da Universidade de Kyoto (Japão), em termos mais simples, quando inclina a cabeça para o lado, o cão:
- está tentando entender o que está sendo dito. Ele está associando o som de algumas palavras e frases, a entonação da voz e a situação que está sendo vivenciada;
- obviamente, o estado de atenção é relaxado quando surgem palavras fora do contexto. O cachorro não compreende “comida” ou “biscoito” quando estas palavras são ditas no banho, por exemplo;
- por fim, o cachorro está tentando se concentrar na voz do tutor. Apesar de a audição canina ser muito mais apurada do que a humana, os peludos têm certa dificuldade para identificar a fonte dos sons – na natureza, basta que um som prenuncie tempestade, ataque iminente ou possibilidade de caça, sem necessidade das sofisticações da fala humana;
- o cachorro também pode estar tentando ver e ouvir melhor. É possível que o focinho bloqueie parte da visão dos peludos. A inclinação da cabeça remove o obstáculo e abre um dos canais auditivos. O tom da voz e a expressão fisionômica ajudam o cachorro a entender se o tutor está feliz, triste, preocupado, etc.;
- o último motivo para este comportamento estranho é bastante egocêntrico. Com o passar dos milênios, os cães descobriram que o gesto é considerado agradável pelos humanos. Por isso, ele tende a repeti-lo sempre que quer parecer “fofo”.
02. Por que os cães cavam com as patas de trás
Depois de se aliviar, os cachorros quase sempre “chutam” com as patas traseiras, em um gesto aparentemente inútil: o xixi e o cocô permanecem no mesmo lugar, o cheiro não se dissipa (pelo menos para o olfato humano) e o comportamento parece ser um gasto inútil de energia.
Mas os cachorros sabem muito bem o que estão fazendo e cientistas da Universidade de Yale (EUA) estão começando a descobrir os motivos. O comportamento pode ser observado em todos os cachorros, inclusive entre os filhotes, mas é mais frequente nos animais dominantes e territorialistas.
Ao chutar o ar para trás, eles estão enviando uma mensagem adicional para outros cães que circulam na mesma região. É como se eles dissessem: “Este cocô é meu e foi deixado aqui para que você não se esqueça disso”.
A informação, transmitida sutilmente através do ar, é reforçada por alguns feromônios excretados a partir de glândulas situadas entre os dedos. Os cachorros também suam através dos coxins plantares e a atmosfera local fica impregnada de dados sobre “quem manda no pedaço”.
Evidentemente, os peludos não fazem ideia de que muitos outros aromas irão se mesclar aos traços dos feromônios lançados, tornando a identificação praticamente impossível. Eles estão apenas repetindo comportamentos desenvolvidos pelos lobos, que vivem em territórios muito bem delimitados e não gostam nem um pouco de invasores.
03. Por que os cães andam em círculos antes de se deitar?
Um estudo da Universidade de Budapeste (Hungria) indica que esta é uma herança ancestral. Na natureza, os lobos giram sobre o próprio corpo antes de descansar para sentir a direção do vento, que precisa estar soprando na direção dos focinhos dos membros da alcateia.
O motivo é que todos os animais lançam substâncias químicas no ar quando se deslocam de um lugar para outro (e em diversas outras situações do cotidiano). Voltados na direção do vento, os lobos podem identificar a aproximação de predadores (ou de outras alcateias) e retomar o estado de atenção antes de um possível ataque.
Caso um ataque aconteça, o lobo (e o cachorro, por extensão) já está posicionado de frente para a ameaça e tem mais chances de se defender. A estratégia é ainda mais eficiente entre os animais que vivem em grupos.
Nos momentos de repouso, os lobos responsáveis pela guarda do grupo geralmente se posicionam à frente (na entrada de uma gruta, por exemplo). Os demais descansam com mais tranquilidade, mas sempre de frente para o eventual inimigo.
Com diversos animais prontos para responder a um ataque, a alcateia consegue garantir maior segurança para os filhotes, jovens e também para os membros mais cansados – os que caçaram a refeição do dia, por exemplo.
O comportamento foi reforçado com os cruzamentos seletivos feitos pelos humanos. Cães desenvolvidos para o pastoreio e a condução de boiadas passaram a fazer o mesmo gesto enquanto estavam cuidando de ovelhas, cabras e vacas.
Portanto, os cachorros não andam em círculos para amaciar o local do cochilo: eles são inteligentes o suficiente para saber que um piso cimentado não amolece com esse comportamento. E, mesmo que as ameaças sejam altamente improváveis, “o seguro morreu de velho”.
04. Por que os cães perseguem o próprio rabo?
O comportamento surge em situações diferentes e, portanto, há diversas explicações, de acordo com o momento em que ocorre. Os filhotes geralmente perseguem o próprio rabo por diversão. É uma brincadeira e uma forma de conhecer o mundo: afinal, eles ainda não entendem muito bem as coisas ao seu redor – entre elas, as funções da cauda.
O incômodo também pode ser responsável pelo comportamento. Coceiras e lesões no rabo podem gerar as perseguições. A presença de pulgas e carrapatos, por exemplo, é motivo mais do que suficiente e, como se trata de uma área de difícil acesso, é preciso correr para alcançá-la.
Os cachorros também podem estar sofrendo crises de ansiedade. Quando isso ocorre, as perseguições quase sempre resultam em lesões mais ou menos graves. Os tutores devem identificar os motivos por que os peludos estão ansiosos e eliminá-los ou atenuá-los.
O comportamento também é comum em casos de dermatites, alergias, inflamações nas glândulas anais (geralmente acompanhadas pelo “andar sentado”, em que o cachorro arrasta o orifício anal no chão em busca de alívio).
Um estudo publicado no Journal of Small Animal Practice, da Grã-Bretanha, associou as corridas atrás do rabo a alterações no colesterol. Os cães com altos níveis de LDL (low density lipoprotein, o colesterol ruim) têm bloqueado o fluxo das substâncias que controlam o humor, tornando-os excitáveis ou ansiosos.
As corridas também podem acontecer quando o cachorro quer chamar a atenção. Momentos antes da caminhada diária, ou quando o tutor não está brincando como o peludo gostaria, ele pode começar a correr atrás do rabo, como se dissesse: “Ei, eu estou aqui!”. O comportamento surge especialmente entre os cães muito entediados, que passam muito tempo sozinhos ou não recebem toda a atenção necessária.
Por fim, os cães de caça podem correr atrás do rabo como forma de se exercitar para a caça. O comportamento é comum entre beagles, cocker spaniels e golden retrievers. Os animais podem acabar gostando da brincadeira e repeti-la de vez em quando.
05. Por que os cachorros arrastam o traseiro?
Ainda sobre o “andar sentado”. A cena pode ser engraçada e às vezes embaraçosa, especialmente quando acontece na presença de visitas e estranhos. O fato de os cachorros arrastarem o traseiro no chão está associado a alguma irritação ou coceira.
As glândulas anais, situadas nas laterais do reto, secretam substâncias que lubrificam o ânus, facilitam a passagem das fezes e também funcionam para demarcar território (o odor é quase imperceptível para humanos, mas muito marcante para outros peludos).
Estas glândulas podem ficar entupidas – em algumas situações, o líquido não escorre de maneira satisfatória e acaba bloqueando os dutos. Isto gera muito incômodo e desconforto: os cães arrastam o traseiro em busca de alívio.
A estratégia quase sempre funciona. Ao serem pressionadas, as bolsas liberam o conteúdo, que escapa pelo reto. O problema pode ser mais grave em casos de alergias a alguns alimentos ou infestações por vermes como tênias e lombrigas, cuja expulsão também provoca coceira no ânus.
Eventualmente, uma condição mais severa pode gerar o comportamento. É o caso do prolapso retal, quando a porção final do intestino grosso culmina por se projetar para fora do ânus, em casos graves de diarreia e constipação. Trata-se de uma emergência veterinária.
Por fim, diarreias, prisões de ventre e irritações na pele também podem ser as responsáveis pelo comportamento. O problema também pode ser causado durante a tosa, que expõe o orifício anal, mas tende a desaparecer em poucos dias.
06. Por que os cães cheiram o traseiro de outros cães?
Não é apenas o de outros cães. Os peludos exibem o mesmo comportamento em relação a gatos, outros animais domésticos e inclusive humanos desconhecidos. Provavelmente, é o primeiro gesto que um cachorro faz quando é apresentado a algum estranho.
Pode parecer repugnante, mas os cães se relacionam com o mundo principalmente com o olfato e a audição. O faro canino pode ser até cem mil vezes mais apurado do que o humano. Nada mais natural que, ao conhecer um novo amigo, ele queria descobrir detalhes sobre ele.
Uma estratégia eficaz é cheirar o ânus. Os odores são específicos, quase como impressões digitais. Pelo cheiro, eles reconhecem os visitantes. Não adianta tentar impedir o comportamento, com puxões na corrente.
Mudanças bruscas
Como se pode ver, os comportamentos estranhos na verdade são totalmente explicados. Alguns gestos são específicos, desenvolvidos individualmente. Nestes casos, cabe aos tutores descobrirem os motivos: com certeza, eles são motivados por alguma necessidade ou desejo dos peludos.
Mais urgentes são as mudanças bruscas de comportamento. Um cachorro naturalmente ativo, enérgico e vivaz, ao exibir uma conduta arredia, desconfiada, arisca ou desinteressada certamente está com problemas.
Qualquer “mudança de hábito” nos cachorros deve ser observada com atenção. Naturalmente, à medida que envelhecem, os peludos modificam a sua forma de interagir, de explorar os ambientes, de brincar e até de comer.
Mas quando as mudanças são repentinas, é importante verificar o que está acontecendo. Os cães não falam, mas conseguem se comunicar com muita eficiência através dos gestos. Apatia, desinteresse, falta de apetite, perda de peso, mudanças no xixi e no cocô, são indícios de problemas, que podem culminar em doenças e transtornos.
Além da vacinação, da vermifugação e das consultas regulares, os cachorros precisam ser avaliados pelo veterinário sempre que surgirem mudanças de comportamento. Eventualmente, eles podem recusar alimento ou brincadeiras por um ou dois dias, mas, se o problema persistir, os tutores têm de agir para garantir a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida dos peludos.
Fonte: Cães Online
Foto: Reprodução
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