Raquel Vilefort de Souza: “Quando entrava em crise procurava atendimento e os médicos sempre passavam remédios paliativos” (Foto: Diomício Gomes / O Popular)

Síndrome que afeta em mais de 90% o sexo feminino cauda dor crônica em todo o corpo. Pacientes goianas relatam como descobriram e enfrentaram a doença.

“Às vezes, a dor chega do nada, fica forte e acaba com o seu dia. É algo que só quem tem entende, pois de repente ela começa e agride. A vontade é de ficar o tempo todo na cama.” O relato é da pedagoga Raquel Vilefort de Souza, 35, que conviveu durante dez anos com dores constantes em várias partes do corpo até o diagnóstico certeiro em 2021 que ela era uma paciente fibromiálgica. A doença, uma síndrome dolorosa crônica por longos períodos, atinge 3% da população brasileira, sendo que desse número 90% são mulheres, segundo estudo da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).

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Não há uma explicação científica para essa síndrome afetar mais as mulheres do que os homens, mas alguns fatores podem contribuir para esse quadro, como questões ligadas ao humor, depressão e distúrbios hormonais. “Ainda não temos uma motivação definitiva porque essa doença é mais significativa em um grupo do que no outro, mas cogita-se que elas podem ter uma predisposição maior por conta de uma questão hormonal”, comenta o reumatologista Nilzio Antonio da Silva. A fibromialgia costuma se manifestar entre os 30 e 55 anos e pode acometer também crianças, adolescentes e até idosos.

A dor generalizada é o principal sintoma da fibromialgia. Cansaço excessivo, dificuldade em se concentrar e manter a atenção, formigamento nos pés e nas mãos, crises de enxaqueca, sono não reparador e problemas de memória também são frequentemente relatados. Essas manifestações podem variar caso a caso, e também melhoram ou pioram a depender dos níveis de estresse e do condicionamento físico. Segundo o especialista, existem medidas que são colocadas hoje no tratamento, desde medicamentos até cuidados não medicamentosos que podem ajudar a “viver bem com a doença”.

Existem algumas maneiras de controlar a fibromialgia. Para a Sociedade Brasileira de Reumatologia, os exercícios aeróbicos, de fortalecimento e de alongamento, como caminhadas e hidroginástica, são determinantes para a melhora dos sintomas associados. Mas tudo precisa ser feito com o acompanhamento de um educador físico. “Questões que envolvem estilo de vida são fundamentais para a recuperação, mas é necessário que seja orientado para que o paciente faça na intensidade correta e com aumento gradual da atividade física. Isso traz um benefício enorme”, afirma Nilzio Antonio da Silva.

Muita gente acredita que o paciente não consegue se exercitar por causa da dor, mas isso não é verdade, como alertam especialistas. A medicina alternativa também é utilizada no controle da fibromialgia, caso da acupuntura e de práticas orientais. Além disso, o emocional nunca pode ser descuidado, como alerta a psicóloga Jordana Ribeiro, que acompanha mulheres com fibromialgia há mais de quatro anos. “É uma questão primordial, não adianta a pessoa querer a remissão da doença sem precisar de medicação e não fazer também um tratamento emocional e psicológico específico para o caso dela.”

Não era estresse, muito menos uma virose, tão pouco ansiedade. A pedagoga Raquel Vilefort de Souza demorou uma década para descobrir a doença. “Quando entrava em crise procurava atendimento e os médicos sempre passavam remédios paliativos e diziam que podia ser tantas coisas, mas nunca era fibromialgia”, lembra. Como outros problemas podem acompanhar a enfermidade, como depressão, alterações intestinais ou urinárias, e dor de cabeça frequente, o diagnóstico pode levar algum tempo, principalmente porque não existem exames específicos para detectar o problema.

Isso porque uma das características é a ausência de inflamações ou infecções, tanto nas articulações como nos músculos. Esse processo pode demorar porque é feito de maneira clínica e por eliminação por médicos especialistas em dores. “Se a pessoa está com dores crônicas, da ponta do pé até o fio de cabelo, por mais de três meses recorrentes, há fortes indícios de estar com a doença. São 18 pontos de dores catalogados, como no quadril, nos ombros e na coluna, além de insônia, e outros problemas”, comenta Jordana Ribeiro.

Raquel conta que antes do diagnóstico passou por clínico geral, endocrinologista e neurologista. Sem respostas, ela lembra que por muitos anos acreditou que tinha uma saúde fragilizada. “Como várias vezes não conseguia trabalhar o dia todo porque sentia cansaço e estresse, achava realmente que o meu corpo não dava conta do ritmo de vida que estava levando”, ressalta. Normalmente, os pacientes acometidos pela fibromialgia passam por diversos exames e consultas até chegar à certeza. Não bastasse a dor, eles enfrentam o preconceito provocado quando as únicas provas são os olhos cansados.

Sinais

Fabrícia Hamu conta que o estresse e a ansiedade são os maiores gatilhos da chegada das crises. “Se estou submetida a situações assim e não busco válvulas de escape, como a atividade física, meditação e ioga. Se fico muito tempo sentada na frente no computador, ou mergulhada nas redes sociais no celular, comendo mal e dormindo pouco, posso ter certeza de que a crise virá. Então, a receita para preveni-la é me permitir desacelerar e respirar quando os problemas se intensificam, identificar minhas emoções, acolhê-las e respeitar meu tempo”, diz.

A jornalista compara a dor da fibromialgia à dengue, mas que não passa em nove dias. “É como se a gente tivesse levado uma surra. Se as pessoas soubessem o quão intensas são as dores que sentimos, elas jamais nos julgariam”, compara. Fabrícia aprendeu a conviver melhor com a síndrome. “Ela foi a melhor professora que já tive. Ela me ensinou a olhar para mim mesma com mais cuidado, respeito e generosidade. Ela me ensinou a respeitar meus limites e sentimentos, a dizer ‘não’ e ‘chega’. As pessoas têm uma ideia errônea sobre mulheres com fibro. Não somos frágeis”.

Popularização

Não existe uma data correta dos primeiros diagnósticos da fibromialgia, mas tem-se falado muito na doença desde 2017 quando Lady Gaga anunciou que sofria do distúrbio e precisou cancelar o show no Festival Rock in Rio. A estrela também falou sobre a síndrome no documentário Gaga: Five Foot Two produzido pela Netflix mostrando como isso atrapalha sua vida pessoal e profissional. Antes dela, um dos quadros mais famosos de Frida Kahlo, um autorretrato com pregos perfurando todo o corpo, A Coluna Quebrada, de 1944, dá indícios de que a pintora mexicana também sofria de dores. Em 1992, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu a síndrome como uma doença reumática.

Fonte: O Popular
Foto: Diomício Gomes / O Popular
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