Quando a dupla sertaneja Mattão e Monteiro subiu ao palco montado no Centro Cultural Oscar Niemeyer (CCON), em Goiânia, havia apenas cerca de 50 pessoas na plateia e mais umas 70 na área VIP, a maioria do público formada por gente da própria organização do evento ou seus convidados. A apresentação foi uma das três realizadas na última segunda-feira (23) dentro do Arraiá Educação e Cultura por Toda Parte, um evento promovido pelo Instituto Brasil Criativo (IBC) por R$ 803,9 mil oriundos de uma emenda impositiva do vereador Wellington Bessa (DC) junto ao orçamento municipal.
Mattão e Monteiro foram a atração principal da noite e subiram ao palco às 23 horas. Antes cantaram Eduarda Nunes e a dupla Douglas e Felipe. O público se manteve mais ou menos o mesmo durante todas as apresentações. A organização do evento usou a mesma estrutura do 22º Grande Arraiá de Goiânia, realizado pela prefeitura de Goiânia entre 18 e 29 de junho. O presidente do IBC, o produtor Douglas Ribeiro de Carvalho, de 30 anos, não diz em que foi gasto o recurso da emenda. A produção de Eduarda Nunes informou que ela doou o show para o instituto. E quando Mattão e Monteiro se apresentaram na festa junina feita pelo governo estadual, cobraram R$ 100 mil .
O evento contou com pouca divulgação e no local não havia nada que identificasse o nome da festa ou mesmo do IBC ou do vereador responsável pela emenda. Entre os nomes citados nos agradecimentos em cima do palco, nenhum era dos diretores do instituto. O nome de Bessa foi citado apenas uma vez entre o primeiro e o último show. Os telões ao lado do palco transmitiam propagandas da prefeitura e divulgavam o arraiá organizado pela administração municipal. O perfil do IBC não é atualizado desde 2023 e o dos diretores não fazem menção ao arraiá. Um perfil próprio do arraiá foi criado quatro dias antes e a imprensa foi informada a partir do fim de semana.
Durante o show da dupla Douglas e Felipe, os seguranças retiraram uma grade que mantinha a plateia mais distante do palco e, posteriormente, a pedido de um dos cantores, tirou a grade que separava o público da área VIP. O mesmo músico brincou que era para o pessoal na área reservada se aproximar do palco, mas o pedido não mudou o cenário. No espaço que estava inicialmente guardado para convidados, havia distribuição gratuita de chopp. Mesmo com o CCON esvaziado, havia presença de guardas civis e de policiais militares reforçando a segurança.
Plano não publicizado
A emenda de Bessa previa o repasse de R$ 1,35 milhão para o Brasil Criativo para “custeio de eventos culturais” e foi acatado pela prefeitura de Goiânia. A Secretaria Municipal de Articulação Institucional e Captação (Secap), responsável por dar encaminhamento às emendas não divulga o plano de trabalho apresentado pelas associações beneficiadas com os recursos, apesar de ser um documento público. Tanto Douglas como o vereador foram questionados pelo jornal sobre o plano, mas não repassaram. O primeiro ignorou o pedido. Já Bessa alegou que não teve acesso ao documento e que a relação com a entidade é apenas institucional.
O Portal não conseguiu encontrar a sede do Brasil Criativo nem outras atividades desenvolvidas pelo instituto. O endereço que consta no registro junto à Receita Federal é de uma sala comercial em reforma e sem uso no Jardim Goiás. A reportagem esteve na recepção do prédio na tarde de terça-feira (24) e ninguém tinha ouvido falar da entidade. O jornal perguntou duas vezes a localização para o presidente do IBC, mas ele não respondeu. Douglas também não repassou se houve outras atividades promovidas pelo instituto e, se sim, quais. O estatuto social do IBC mostra que ele tomou posse como presidente em abril de 2023.
O presidente do IBC foi procurado pelo jornal nos dias 24 e 25 de junho. No primeiro dia, respondeu que todas as informações relacionadas ao evento e aos gastos com o mesmo constam no plano de trabalho, mas não repassou o documento. Informou também que o arraiá foi executado exclusivamente com os recursos da emenda de Bessa , “conforme aprovado previamente pelo Município de Goiânia”. “Ressaltamos que a relação do instituto com o vereador responsável pela indicação da emenda é estritamente institucional, estabelecida a partir da solicitação formal de apoio para eventos culturais.”
Pouco público
Douglas afirma que a escolha da data levou em conta a programação de outras festas juninas em Goiânia e que havia a expectativa de público “semelhante a de outros dias festivos”. “A divulgação ocorreu por meio de diversas estratégias, inclusive em portais jornalísticos. Entretanto, não tendo alcançado um resultado maior, o que não inviabiliza a execução nem descaracteriza o cumprimento do plano.” Ele não respondeu se houve pagamento pelo uso da estrutura do arraiá da prefeitura. A Secretaria Municipal de Cultura (Secult) de Goiânia também foi questionada por dois dias, mas se recusou a repassar a informação. Inicialmente, a assessoria da pasta pediu que fosse procurada a equipe de Bessa para dar a resposta.
A produção de Eduarda Nunes informou que o show dela foi uma doação para o IBC, sem custos, e comentou que o dia do evento não favoreceu muito para o comparecimento do público. “Todo evento tem divulgação e é esperado um público, mas imagino que pela quantidade de eventos que o momento está favorecendo dispersa muito, foi um público meio reduzido.” Já a assessoria de Mattão e Monteiro não revelou o cachê e disse que o evento foi realizado numa segunda-feira e foi pouco divulgado, o que pode ter colaborado para a plateia esvaziada. “O show entregue para 10 pessoas ou para 1000 é o mesmo, pois é isso que prova a credibilidade dos cantores.
O vereador afirmou ao Portal que a emenda foi destinada para a realização de diferentes eventos culturais ao longo deste ano e que, conforme previsto em lei, a execução das ações é de responsabilidade da entidade. “A relação do mandato com a entidade proponente é institucional, sendo a execução de responsabilidade da entidade.” Bessa afirma que houve divulgação do evento em diversos canais e integra um calendário mais amplo, sem detalhá-lo. “Quanto aos aspectos técnicos ou operacionais da execução, é atribuição da entidade responsável e das instâncias de controle. Não cabe a mim fazer juízo de valor”, afirmou em nota.
O Portal não conseguiu contato com a produção da dupla Douglas e Felipe. Também não conseguiu contato com os outros diretores do IBC. Uma pessoa que aparecia no estatuto como um dos diretores chegou a atender o telefone e ficou de retornar a ligação, mas não o fez. Durante a realização do evento, o locutor contratado agradeceu a pessoas cujos nomes não constam como sendo do IBC ou mesmo relacionadas à Prefeitura ou ao repasse da emenda. Uma delas disse que foi citada por ter indicado o profissional para o serviço, mas negou relação com o arraiá.
Fonte: O Popular
Foto: Márcio Leijoto
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