Você provavelmente conhece alguém que não consegue ficar um dia sequer sem chocolate ou refrigerante —causando até alterações no humor, como irritabilidade e ansiedade. Apesar de simples, esse hábito pode mascar sintomas mais profundos, como transtorno de ansiedade, compulsão ou até a falta de nutrientes e vitaminas.
Segundo a nutricionista Larissa Carvalho, a vontade quase incontrolável de comer um ‘docinho’ após o almoço pode acontecer devido à baixa ingestão de carboidratos e nutrientes durante a refeição. “Você não comeu com atenção ou comeu muito rápido, e aí o seu corpo acaba precisando de energia para dar continuidade ao resto do dia. Por isso, ele vai pedir uma coisa mais simples para conseguir equilibrar, geralmente sendo uma bala, um chocolate, algo açucarado”, explica.
Ela diz que o ideal é distribuir os nutrientes ao longo do dia: no café da manhã, no almoço, no jantar. “Fazendo isso, a gente consegue ter uma quantidade legal de carboidratos, fibras, vitaminas e minerais”.
No corpo feminino, essa questão pode estar ligada, inclusive, ao desequilíbrio da flora vaginal e intestinal. “Pode haver um disbiose intestinal ou uma candidíase. Essas coisas fazem com que a mulher tenha mais vontade de comer carboidratos para alimentar essas bactérias”, diz Carvalho.
Quando é psicológico
No caso do exagero por fatores psicológicos, a explicação estaria no prazer liberado com a ingestão do doce. O açúcar eleva o nível de dopamina no organismo, ativando a sensação de bem-estar. É por isso que, se a pessoa se sente inquieta e estressada, ela busca o doce para ter um conforto momentâneo. “Existe uma área no cérebro de ‘ganho e recompensa’, que relaciona muito a comida à questão da emoção. Se você estiver triste, tem que comer, se estiver cansado, também tem que comer”, explica a endocrinologista Claudia Chang.
Ainda não existem estudos concretos falando sobre a dependência química causada pelo açúcar. Mas, por conta da liberação de dopamina, há uma tendência do ser humano de consumir mais e mais para ter a mesma sensação de prazer. “O doce ativa essa área de ‘ganho e recompensa’ do cérebro, que é a mesma do cigarro, do álcool, da droga e da compulsão por compras. Então há um vício, que não é químico, porque não é uma substância, mas é preciso remodelar essa ativação cerebral”, diz Chang.
Na pandemia, vontade de comer o tempo todo (não só doces) pode ter aumentado. Isso porque as pessoas ficaram mais ansiosas dentro de casa, então surgiu a necessidade de se sentir melhor diante do que estavam vivendo. Chamada de ‘beliscamento’, a vontade de ingerir pequenas porções ao longo do dia e fora dos horários de refeição pode se tornar perigosa. Quando não tratada, pode levar a um descontrole, resultando em episódios de compulsão.
“Isso acontece quando uma pessoa consome uma carga calórica muito alta dentro de um período curto de tempo, geralmente de uma a duas horas. Ela não consegue parar, come mais rápido do que o normal, escondido dos outros e depois termina com um sentimento de culpa”, afirma o psiquiatra Higor Caldato, especialista em transtornos alimentares.
Quando acontecem repetidas vezes, esses eventos podem dar lugar ao transtorno de compulsão alimentar, que requer um tratamento com nutricionistas, psiquiatras e, às vezes, intervenção medicamentosa.
Exagero de pai para filho
Além da questão psicológica, a necessidade de comer doces também pode estar relacionada ao perfil individual. Por isso, é necessário entender o ambiente onde o indivíduo está inserido. “Ele pode aprender a ter esse comportamento no núcleo familiar. Quando um adulto diz para o filho ‘se você ficar bonzinho, você ganha uma bala’, ele ensina essa criança a ter uma recompensa com o alimento“, explica Chang.
Nesses casos, o melhor procedimento é a reeducação em conjunto com a terapia: entender por que e quando você precisa comer, tirando o estigma de compensação da comida.
A parte genética também pode estar envolvida —não no gosto por doces em si, mas no sentimento de satisfação. “A gente tem algumas alterações relacionadas ao mecanismo de ingesta. Então, existem genes que levam o indivíduo a ter menos saciedade e mais fome. Essa mutação pode ocasionar um maior risco de obesidade, diabetes e hábitos de compulsão”, diz Chang.
Excesso de açúcar faz mal e transtornos precisam de tratamento
Por falar em risco de doenças, as consequências desse consumo exagerado de doces na saúde do indivíduo também pode levar à hipertensão, entre outras doenças.
Um estudo da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, relacionou uma dieta rica em açúcar com um risco maior de morte por doenças cardiovasculares. Em 15 anos de análise, pessoas que obtiveram de 17% a 21% das suas calorias no consumo de açúcar, tinham 38% mais chances de morrer do coração do que as demais, que consumiam cerca de 8%.
Além do ganho de peso em si, o doce também aumenta o nível de insulina, o que a longo prazo pode desencadear em um quadro de resistência insulínica e predisposição ao diabetes. “O alimento também é rico em gorduras, levando a uma alteração nos triglicérides ou elevação do colesterol”, explica Chang.
Além dos tratamentos individuais para cada transtorno e doença, também é importante prestar atenção na alimentação, seguindo uma dieta saudável e equilibrada, sem restrições e sofrimento. “Se você bebe todos os dias uma latinha de refrigerante e a nutricionista fala que você não pode, você vai ficar com aquela vontade e não vai aderir ao tratamento. Então, é importante que a gente vá retirando aos poucos e incluindo outros alimentos”, aconselha.
Quanto ao consumo ideal de açúcares por dia ou por semana, Chang ressalta que cada organismo é um. “Depende do quadro metabólico, do IMC (Índice de Massa Corporal), da quantidade de colesterol, então não tem como dizer o quanto você vai poder comer, só uma avaliação individualizada vai nortear isso”, diz.
Entretanto, a OMS (Organização Mundial de Saúde) diz que entre 5% e 10% do valor total de calorias podem vir do açúcar. Isso seria o equivalente a uma ou duas porções de doce por dia, como uma fatia de bolo. Mas é importante salientar que essa quantidade diz respeito a todo o açúcar utilizado no dia, incluindo o para adoçar café, bebidas e produtos industrializados. Se termos como frutose, xarope de milho, glucose, maltodextrina e outros estiverem no rótulo, estes produtos precisam ser incluídos na conta.
Por Luiza Ferraz
Foto Capa: iStock
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