27 de dezembro de 2024
Casos de feminicídio aumentaram 23% em Goiás entre 2020 e 2021, diz Segurança

De 2020 para 2021, o estado de Goiás registrou um aumento de cerca de 23% em casos de feminicídio. (Foto ilustrativa : Reprodução - Pixabay)

Portal ouviu especialistas para tentar entender a gravidade destas estatísticas para além do óbvio.

Os casos de feminicídio em Goiás aumentaram 23% entre 2020 e 2021. A informação é do observatório da Secretaria de Segurança Pública do estado goiano (SSP). Os dados revelam que, no ano passado, 54 mulheres foram assassinadas; enquanto em 2020 esse número foi de 44 vítimas. Em outras palavras, 10 mulheres a mais tiveram suas vidas e sonhos interrompidos pela violência.

O índice de mulheres assassinadas não foi o único que subiu. Segundo os dados da SSP, aumentou também os registros de mulheres que sofreram ameaças no âmbito doméstico. No ano passado, foram 962 casos a mais do que em 2020 (um aumento de aproximadamente 6,5%).

Fora isso, as autoridades policiais de Goiás também registraram um crescimento de cerca de 17,2% em casos de crimes contra a honra. Ou seja, foram 1.575 ocorrências mais de mulheres caluniadas, difamadas e injuriadas.

Comparação dos dados de violência contra a mulher de Goiás nos anos de 2020 e 2021 (Arte: Mais Goiás – Fonte: SSP-GO)

Índices que diminuíram

Segundo o levantamento, também houveram alguns crimes contra a mulher que apresentaram diminuição em Goiás durante o ano de 2021. É o caso das ocorrências de agressão física e estupro.

Em 2020, as autoridades policiais registraram 11.019 casos de lesão corporal especificamente contra mulheres. Já no ano passado, esse número caiu para 10.782 ocorrências. Ou seja, foram 237 casos a menos

No que diz respeito aos crimes de abuso sexual, Goiás teve uma diminuição tímida. Em 2020, foram registrados 292 casos de estupro contra mulheres. Enquanto no ano passado, esse número caiu para 278. Um total de 14 casos a menos.

O que esses dados significam, para além do obvio?

O portal ouviu as delegadas Cássia Borges e Alessandra Maria de Castro para tentar entender a gravidade destas estatísticas para além do óbvio e de que forma a sociedade pode ajudar à salvar a vida dessas mulheres que estão em perigo. As duas investigadoras são responsáveis pelas Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM) das cidades de Trindade e Catalão, respectivamente.

Segundo as delegadas, é necessário primeiro entender que o termo feminicídio é um tipo qualificado de homicídio intencional. De modo geral, ele pode ocorrer em razão de violência doméstica e familiar, mas também por menosprezo ou discriminação ao gênero feminino.

Ou seja, crimes de feminicídio não ocorrem apenas em âmbito doméstico, pois podem ocorrer também em razão do sujeito menosprezar a mulher simplesmente por ser mulher. Exemplo disso, é o caso famoso do “serial killer de Goiânia”, que matou várias mulheres apenas por serem mulheres.

Portanto, todas as mulheres assassinadas que constam na estatística da SSP podem ter morrido tanto em âmbito doméstico, por pessoas com vínculo com a vítima, como fora de casa, por agente sem nenhum vínculo com a mesma.

Os casos de violência contra a mulher estão cada vez mais fatais?

Levando em consideração que o levantamento indica que os casos de agressão diminuíram em Goiás, mas os de assassinatos contra mulheres aumentou, o portal questionou as especialistas se as ocorrências estão, portanto, mais violentas e fatais no estado.

A delegada Cássia Borges, de Trindade, explica que os dados de violência sempre sofrem muitas modificações a depender do momento do mundo e das regiões onde eles acontecessem. Ou seja, os dados sofrem variações o tempo todo de ano para outro.

“A última vez que tomei conhecimento de um feminicídio em Trindade, por exemplo, foi no ano de 2020. No ano de 2021 não houve nenhum feminicídio. Os dados não são estáticos, embora haja uma tendência a diminuição, conforme pesquisas nacionais. A Pandemia COVID-19 fez com que vários casais passassem mais tempo juntos, o que pode ter desencadeado divergências que culminaram em óbitos. Ou mesmo, muitas pessoas foram demitidas, então isso também pode ter gerado muitos conflitos socioeconômicos, com resultado morte”, explicou a delegada.

Já na opinião da delegada Alessandra Maria, os dados sempre tendem a apresentar resultados de aumento, do que diminuição da violência contra a mulher. “Eu diria que os crimes em contexto de violência doméstica estão aumentando gradativamente. Digo isso porque avalio a estatística da delegacia que sou titular e sempre constato o aumento. Não posso dizer especificamente de um crime ou outro, porque eles aumentam um ano e no outro diminuem. Mas no geral, se consideramos todos os crimes, sempre aumenta. Os casos de feminicidio ou tentativa também estão sempre crescendo, pelo menos em Catalão”, considerou.

Antes de serem assassinadas, mulheres sempre sofrem com outros tipos de violência

Entre as entrevistadas, é consenso que antes de serem assassinadas, as mulheres vítimas de feminicídio costumam sofrer com outros tipos de violência. Ou seja, por mais que cada crime tenha, de modo geral, uma motivação específica, as vítimas quase sempre costumam sofrer com outros tipos de violência antes de virem a óbito.

Exemplo disso, é o caso da jovem Raiane Ferreira de 21 anos, que vivia na cidade de Indiara. Ela foi assassinada à facadas pelo namorado, na frente do filho de apenas 7 meses, em 2021. Aos policiais, o namorado de Raiane confessou que a matou porque discutiram após ele ter sentido ciúmes de uma publicação dela em uma rede social.

No entanto, antes do crime de feminicídio acontecer, Raiane já sofria com a agressividade do namorado. Há 1 ano, ela havia denunciado o rapaz por ameaçá-la durante uma discussão. Além disso a mãe de Raiane, dona Regina Ferreira, também revelou que o sujeito afastava a garota da família.

Raiane Ferreira tinha 21 anos e morreu assassinada à facadas. O ex-namorado é o principal suspeito do crime (Foto: Reprodução – Redes Sociais)

De acordo com as delegadas, é justamente por isso que vítimas de lesão corporal, ameaças e outros tipos de violência precisam denunciar os crimes.

“Embora muitas das vítimas de feminicídio vivam em um relacionamento conturbado, nem sempre denunciam a violência que eram submetidas. Ou seja, a Polícia Civil só toma conhecimento do relacionamento conturbado após a morte da vítima, pois ela não tinha feito nenhum registro de ocorrência, embora já fosse vítima há muito tempo. Por isso, destaco a importância de noticiar a violência quando ocorra e finalizar o relacionamento tóxico enquanto é tempo! A Polícia fará o possível para ajudar a mulher sair deste cenário de violência, mas a decisão inicial é dela. O crime, na maior parte dos casos, não ocorre sem antes já ter dado os sinais que as ofensas poderiam piorar!”, pontua a delegada Cássia Borges.

Se sofrem com tanta violência, por quê as mulheres não denunciam os crimes?

Um dos questionamentos mais feitos e mais desestimuladores às vítimas de violência doméstica é: por quê as mulheres não denunciam as agressões, ou então, por quê se afastam e depois retornam os relacionamentos com os agressores?

De acordo com as investigadoras, nos casos em que o agressor é o companheiro da vítima, a maioria das vezes as mulheres vivem em um contexto de ciclo de violência. E isso dificulta que elas se libertem dos agressores ou os denunciem, pois dependem dos homens de forma emocional, financeira ou familiar.

O ciclo da violência possui três fases:

  1. Aumento de tensão, onde o companheiro mostra-se tenso e irritado por coisas insignificantes, chegando a ter acessos de raiva;
  2. Ato de violência, onde o companheiro agride fisicamente a vítima;
  3. O arrependimento mesclado com atos de carinho, em que o companheiro se mostra determinado a mudar. A mulher se sente confusa e pressionada a manter o seu relacionamento diante da sociedade, sobretudo quando o casal tem filhos;

“Todo relacionamento entre duas pessoas é bastante complexo. O normal é um relacionamento começar com amor e, por razões diversas, o sentimento que era positivo, se torna negativo. Muitas pessoas se sentem desestimuladas a denunciarem: “eu denuncio e eles voltam”. O que as pessoas esquecem é que é muito difícil a mulher se desvencilhar daquele que um dia nutriu um sentimento positivo. E de toda a dependência envolvida: emocional, financeira, familiar”, explicam as especialistas.

É possível sair dessa realidade?

É unânime entre as especialistas de que é mais do que possível uma mulher sair do ciclo de violência e se livrar do agressor. Uma das melhores ferramentas para isso é o apoio da segurança pública, seja através de denúncias ou medidas protetivas.

A delegada Alessandra Maria ressalta que as medidas protetivas, apesar da descrença de muitos, é uma das ferramentas mais úteis de auxílio a mulher. “É uma ferramenta muito útil e viável na maioria dos casos. O afastamento do agressor pode ajudar a mulher a se organizar ou se fortalecer. Já a denuncia, faz com que a polícia se faça presente no local e isso pode inibir as agressões”, considera a investigadora

Hoje existem várias maneiras de se fazer uma denúncia de violência contra a mulher, seja se identificando ou mesmo de forma anônima, como o DISQUE 100 e o DISQUE 180. Uma vez denunciado, a Polícia apurará o caso.

“O que eu aconselho é as pessoas insistirem em denunciar e ter empatia para reconhecer que é difícil para a mulher e, muitas vezes, a própria vítima não reconhece que está em um contexto de violência doméstica. Então, se virem uma mulher em um relacionamento violento: denunciem!”, reforça Cássia.

Fonte: Mais Goiás
Foto: Ilustrativa – Pixabay
Jornalismo Portal Panorama
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