
Desde que foi publicada em novembro de 2023, a Portaria nº 3.665/23 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) tem causado incertezas entre empresários do comércio. Prevista inicialmente para entrar em vigor em março de 2024, a norma já foi adiada quatro vezes, e, até junho de 2025, ainda não tem data certa para vigência. Enquanto isso, permanece válida a Portaria nº 671/2021, que autoriza o funcionamento do comércio aos domingos e feriados sem necessidade de convenção coletiva — desde que respeitadas eventuais restrições previstas na legislação municipal.
Mas afinal, o que diz a nova portaria e como ela afeta o dia a dia dos empregadores?
O QUE É A PORTARIA MTE Nº 3.665/2023 E QUAL SEU CONTEÚDO?
A Portaria 3.665/2023 foi editada para revogar autorizações automáticas de trabalho em feriados previstas para diversas atividades do comércio no Anexo IV da Portaria MTE nº 671/2021, como padarias, açougues, hortifrutis, farmácias, supermercados, comércio em hotéis, rodoviárias e distribuidores. Até então, essas atividades possuíam autorização permanente para funcionar em feriados, sem necessidade de acordo coletivo.
Com a revogação, essas categorias passaram a depender de convenção ou acordo coletivo de trabalho para funcionar nos feriados — nos termos do art. 6º-A da Lei 10.101/2000 — e também da legislação municipal. Ou seja, a portaria não criou uma nova regra, mas reforçou uma exigência legal já existente.
Importante: a nova portaria não altera o trabalho aos domingos, que continua permitido nas hipóteses previstas em lei, desde que respeitada a folga semanal remunerada (preferencialmente coincidente com o domingo, ao menos uma vez a cada três semanas).
QUAL A DIFERENÇA ENTRE CONVENÇÃO COLETIVA E ACORDO COLETIVO? ESSE PONTO TEM GERADO BASTANTE CONFUSÃO. VEJA A DIFERENÇA:
- Convenção Coletiva de Trabalho (CCT): é um instrumento firmado entre o sindicato dos empregados e o sindicato patronal, com validade para toda a categoria profissional e econômica dentro de determinada base territorial.
- Acordo Coletivo de Trabalho (ACT): é firmado entre o sindicato dos empregados e uma empresa específica, valendo apenas para os trabalhadores daquela empresa.
Ambos são instrumentos normativos reconhecidos pela CLT e têm força legal para tratar de temas como jornada, folgas, adicionais e trabalho em datas especiais, desde que respeitados os limites da Constituição.
COMO FICA O TRABALHO AOS DOMINGOS?
- A nova portaria não altera as regras para o trabalho aos domingos.
- O empregador ainda pode determinar o funcionamento da empresa nesses dias, desde que garanta o repouso semanal remunerado.
- Caso exista convenção coletiva com regras específicas para os domingos, elas devem ser seguidas.
E NOS FERIADOS, O QUE MUDA COM A PORTARIA?
- Com a entrada em vigor da Portaria 3.665/23, o trabalho em feriados exigirá obrigatoriamente previsão em convenção coletiva.
- Se não houver cláusula autorizando esse funcionamento, o empregador não poderá exigir que o empregado trabalhe, sob pena de infração legal.
- Se o trabalho for realizado sem respaldo legal, o empregador poderá ser compelido a pagar em dobro as horas trabalhadas, além de correr o risco de autuações e ações judiciais.
DIFERENÇA ENTRE AUTORIZAÇÃO PERMANENTE E AUTORIZAÇÃO TRANSITÓRIA A AUTORIZAÇÃO PARA O TRABALHO EM DOMINGOS E FERIADOS PODE OCORRER DE DUAS FORMAS:
- Permanente: prevista em lei, norma coletiva ou na antiga redação do Anexo IV da Portaria 671/2021. Não exige requerimento específico.
- Transitória: deve ser solicitada pelo empregador junto à inspeção do trabalho, mediante requerimento formal e laudo técnico que comprove a urgência ou a necessidade da atividade.
Com a revogação de itens do Anexo IV, diversas atividades perderam a autorização permanente e, na ausência de norma coletiva, devem recorrer à autorização transitória ou suspender o trabalho nos feriados.
QUAIS ATIVIDADES PERDERAM A AUTORIZAÇÃO PERMANENTE? A PORTARIA 3.665/23 REVOGOU OS SEGUINTES SUBITENS DO ANEXO IV DA PORTARIA 671/2021:
- Varejistas de peixe
- Varejistas de carnes frescas e caça
- Venda de pão e biscoitos
- Varejistas de frutas e verduras
- Varejistas de aves e ovos
- Varejistas de produtos farmacêuticos
- Comércio de artigos regionais nas estâncias hidrominerais
- Comércio em portos, aeroportos, estradas, estações rodoviárias e ferroviárias
- Comércio em hotéis
- Comércio em geral
- Atacadistas e distribuidores de produtos industrializados
- Revendedores de tratores, caminhões, automóveis e similares
- Comércio varejista em geral
Essas atividades, portanto, só poderão funcionar em feriados mediante previsão em convenção coletiva ou autorização transitória.
POR QUE A PORTARIA FOI ADIADA VÁRIAS VEZES?
O governo federal adiou a entrada em vigor da norma por pressões de entidades empresariais como a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), que defende a flexibilização da jornada e argumenta que a obrigatoriedade de convenção coletiva burocratiza a atividade econômica.
Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC) defende a imediata entrada em vigor da portaria, entendendo que ela é fruto de um acordo legítimo, transparente e que fortalece as garantias dos trabalhadores.
Enquanto não há consenso, o Ministro do Trabalho, Luiz Marinho, declarou que “enquanto não houver uma solução, vamos continuar prorrogando”.
QUEM PRECISA SE PREOCUPAR COM A PORTARIA?
A nova norma se aplica apenas ao setor do comércio, e apenas para empregados sob regime da CLT. Não se aplica a:
- Prestadores de serviço autônomos ou pessoas jurídicas (PJs);
- Profissionais vinculados a setores essenciais como saúde, transporte ou segurança;
- Empresas cujas convenções coletivas já prevejam expressamente o funcionamento em feriados.
O QUE ACONTECE SE EU FUNCIONAR EM FERIADOS SEM CONVENÇÃO COLETIVA?
A partir da vigência da Portaria 3.665/23, se sua atividade foi uma das que perdeu a autorização automática e não houver convenção ou acordo autorizando o trabalho em feriados, o funcionamento poderá acarretar:
- Fiscalizações e autuações por auditores fiscais;
- Aplicação de multa administrativa (art. 75 da CLT);
- Pagamento em dobro das horas trabalhadas nos feriados (sem compensação válida);
- Riscos de ações trabalhistas e indenizações.
Inclusive, decisões judiciais já foram proferidas para conceder liminares a empresas, autorizando temporariamente o funcionamento em feriados, diante do impacto abrupto da revogação (ex: Mandado de Segurança n.º 0021075-81.2023.5.04.0025, em Porto Alegre).
O QUE FAZER ENQUANTO A NOVA PORTARIA NÃO ENTRA EM VIGOR?
- Verifique se sua atividade foi afetada pela revogação do Anexo IV.
- Consulte a convenção coletiva vigente: ela já pode conter cláusula autorizando o trabalho em feriados.
- Caso não haja previsão, inicie tratativas com o sindicato para firmar acordo ou convenção.
- Mantenha controle de escalas e jornada: o repouso semanal deve coincidir com o domingo pelo menos uma vez a cada três semanas.
- Atualize seus procedimentos internos e treine o RH para garantir conformidade legal.
MODELO DE CLÁUSULA PARA CONVENÇÃO COLETIVA:
“As partes acordam que, em razão da natureza da atividade exercida pelas empresas do setor, fica autorizado o trabalho dos empregados em feriados civis e religiosos, observada a legislação municipal e garantida a remuneração em dobro ou a concessão de folga compensatória nos termos do art. 9º da Lei 605/49 e art. 6º-A da Lei 10.101/00.”
CONCLUSÃO
A Portaria 3.665/23 não inventou uma nova exigência, mas acabou com a exceção automática que favorecia dezenas de atividades do comércio. Com isso, transferiu para a negociação coletiva o poder de permitir o trabalho em feriados, o que reforça o papel dos sindicatos e exige maior organização por parte das empresas.
Em um cenário cada vez mais regulado e instável, a assessoria jurídica especializada se torna essencial para garantir segurança jurídica e evitar riscos. O que está em jogo não é apenas o funcionamento nos feriados, mas a sustentabilidade da operação empresarial, o cumprimento de direitos trabalhistas e a prevenção de passivos.
Se sua empresa ainda não está segura sobre a regularidade do funcionamento em feriados, busque assessoria trabalhista antes de assumir riscos.
Sebastião Barbosa Gomes Neto — OAB/GO 50.000
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás
Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET/GO
Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC/MG
Negociador
sebastiaogomesneto.adv.br
Foto: Arquivo Pessoal
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