“Noite Feliz”: História da Canção que é Patrimônio da UNESCO
A melodia que convida à introspecção e à paz na véspera de Natal em todo o mundo tem uma origem humilde marcada por um contexto de instabilidade. “Stille Nacht, heilige Nacht” (“Noite Silenciosa, Noite Santa”), conhecida no Brasil como “Noite Feliz”, foi apresentada pela primeira vez há 205 anos, na Missa do Galo de 24 de dezembro de 1818, na igreja de São Nicolau, em Oberndorf bei Salzburg, na Áustria.
A canção nasceu da parceria entre o padre Joseph Mohr e o organista Franz Xaver Gruber. Mohr havia escrito o poema em 1816, um ano conhecido como “O Ano Sem Verão”, quando erupções vulcânicas causaram colheitas ruins e fome na Europa e na América do Norte. O texto foi criado em Mariapfarr, cidade natal de Mohr, em meio às sequelas das Guerras Napoleônicas que assolavam Salzburgo. Dois anos depois, em Oberndorf, ele pediu a Gruber que compusesse uma melodia para seus versos.
“As palavras deste cântico foram escritas nestas circunstâncias. Elas expressam uma ânsia por redenção e paz”, explica Peter Husty, curador da exposição Silent Night 200, realizada no Museu de Salzburgo.
Apesar das raízes locais, a música começou uma jornada global. O manuscrito circulou por comunidades da região até chegar ao vale de Zillertal, onde grupos de canto popular a adotaram. De lá, seguiu para a Alemanha, para o resto da Europa e, por meio de missionários cristãos, para os Estados Unidos e o mundo. “O Cristianismo levou essa música para o mundo com missionários (protestantes e católicos). Ela virou acessível em muitas línguas e dialetos, tonando-se global”, afirma Thomas Hochradner, da Universidade Mozarteum.
Essa popularização gerou centenas de traduções e adaptações. A versão brasileira, “Noite Feliz”, por exemplo, não é uma tradução literal do título original (“Noite Silenciosa”), mas busca preservar o sentido central da obra. Em alguns casos, porém, a adaptação teve motivações políticas. Durante o regime nazista, a transmissão de rádio Weihnachtsringsendung alterou a letra, transformando o primeiro verso em uma exaltação a Adolf Hitler: “Tudo é calmo, tudo é esplendido / Apenas o Chanceler fica em guarda / O futuro da Alemanha para vigiar e proteger / Guiando nossa nação certamente.“
Ao longo do século XX, “Stille Nacht” foi incorporada ao repertório cultural global, aparecendo em filmes e sendo gravada por inúmeros artistas. Em 2011, sua importância e trajetória única foram oficialmente reconhecidas com a inclusão na lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO.
Joseph Mohr (1792-1848) e Franz Xaver Gruber (1787-1863) mantiveram contato por toda a vida. Hoje, cidades austríacas como Salzburgo, Oberndorf, Mariapfarr e Hallein abrigam memoriais e museus dedicados à história da canção. Para o bicentenário da composição, em 2018, nove localidades organizaram uma grande exposição conjunta.
“Os austríacos gostam e cantam a canção, principalmente em sua versão original, que difere um pouco daquela mais comum no mundo. É mais uma tradição do que orgulho”, observa Hochradner.
Para Peter Husty, o poder duradouro de “Stille Nacht” reside em sua mensagem universal, que transcende o aspecto estritamente religioso. “Ela conta a história do nascimento de Jesus. Então é um cântico religioso ao mesmo tempo em que é para a paz no mundo”, resume o curador, destacando por que, mais de dois séculos depois, seus acordes continuam a ressoar como um símbolo de esperança e tranquilidade.
Por Gessica Vieira
Foto: Reprodução
Jornalismo Portal Pn7
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