Quem tem intolerância à lactose sofre com os sintomas já bem conhecidos: dor e inchaço abdominal, enjoo, azia, gases e diarreia. Porém, algumas pessoas começaram a incluir um novo sinal na lista: a enxaqueca.
A relação entre eles tem fundamento. A intolerância à lactose ocorre quando a atividade da enzima lactase, presente nas células da mucosa do intestino delgado, é reduzida, causando a diminuição na absorção da lactose, que é o açúcar presente no leite. “Como ocorre uma menor produção da enzima lactase, a lactose será ‘fermentada’ pelas bactérias do intestino, produzindo gases que serão responsáveis pelos sintomas que irão surgir“, afirma a gastroenterologista Débora Dourado Poli, médica-assistente dos hospitais Sírio-Libanês e São Luiz.
Ela explica que um dos gases que pode ser produzido por essa fermentação da lactose mal digerida é o metano: “E quando ele cai na corrente sanguínea, pode provocar dores musculares, irritabilidade e dor de cabeça”.
Paula Poletti, gastroenterologista e endoscopista do HCor, diz que sintomas como cefaleia, tonturas, comprometimentos da memória e letargia podem ocorrer em cerca de 20% dos acometidos pela síndrome. “No entanto, não está claro se esses sintomas atípicos se devem à ingestão de lactose ou estão relacionados à presença da chamada ‘doença funcional’, frequentemente acompanhada por múltiplos sintomas”.
Poletti admite, por outro lado, que é conhecida a associação de alguns alimentos como possíveis gatilhos para crises de cefaleia e enxaqueca e, dentre eles, o leite e laticínios são estudados. Porém, há poucos dados direcionados especificamente à lactose.
Relação não é motivo para quem não é intolerante evitar lactose
“Diversos estudos foram feitos tentando estabelecer uma relação de causa-efeito entre cefaleia e intolerância à lactose, com resultados divergentes. A conclusão, até o momento, é a de que pacientes com intolerância severa podem ter como sintomas dores de cabeça. O que está longe de gerar uma recomendação do tipo: se você tem dores de cabeça deve parar de consumir lactose”, afirma a neurologista Renata Londero.
Ela conta ter visto pacientes que tiraram a lactose da dieta e relataram melhora, mas com recorrência das dores dois a três meses depois, o que para ela seria um provável efeito placebo. A médica também diz ter notado pessoas que retiraram e nada notaram, e poucos que não mais a consumiram e tiveram verdadeira melhora —provavelmente aqueles que tinham intolerância mais grave.
Londero cita a frase de um colega da Sociedade Brasileira de Cefaleia, o médico João José: “As pessoas precisam parar de achar explicações para terem dores de cabeça”. Ela contextualiza: “Às vezes atendemos pessoas que por anos têm dores de cabeça frequentes, usam quantidades inacreditáveis de analgésicos, pensando que têm sinusite, dor por causa da menstruação, por causa do anticoncepcional, por comerem isso ou aquilo, ou porque são estressadas. Devido a essas crenças, deixam de buscar auxílio e fazer profilaxia”.
Já Poli acredita que, com maior acesso à informação, as pessoas têm buscado mais atendimento, mais pelas queixas comuns à intolerância à lactose: “Em geral, a consulta conosco, gastroenterologistas, ocorre por causa dos sintomas clássicos, gases, barriga estufada e dor de cabeça. Se uma pessoa só tiver esta última, em geral, vai ao neurologista. Este, às vezes, encaminha o paciente para nós. Porém, é importante que saibam que existe essa associação quando procurarem atendimento”.
Tratamento
Após o diagnóstico, o tratamento para o problema, com ou sem dor de cabeça, é o mesmo: uma dieta com restrição de lactose. Isso pode ajudar na resolução dos sintomas, assim como a utilização de enzimas sintéticas (lactase) no momento da ingestão do produto lácteo, não havendo necessidade de restrição total.
“A utilização de prebióticos e probióticos para manejo da flora intestinal, com o intuito de melhorar a tolerância à lactose, tem sido estudada. Um grande desafio para os pacientes com o problema é a tentativa de controle e/ou retirada da lactose da dieta pois, apesar de vários itens apresentarem opções sem lactose, outros tantos produtos e preparações podem contê-la na composição sem que esta faça parte dos componentes principais”, adverte Poletti.
Ambas as gastroenterologistas concordam: é importante fazer um diagnóstico adequado porque outras doenças podem levar à intolerância à lactose e têm tratamentos diferentes. “Além disso, a dieta com exclusão total de leite e derivados também pode trazer prejuízos à nutrição, principalmente pelo leite ser uma das principais fontes de cálcio. Então, é realmente importante que se faça o diagnóstico correto para ter a melhor condução do caso”, afirma Poli.
Se você tem dores de cabeça mais de três dias por mês, e precisa se medicar, deve consultar um médico para tratá-las adequadamente. O uso indiscriminado de analgésicos, anti-inflamatórios, relaxantes musculares ou associações com cafeína têm produzido um grande número de pacientes que desenvolve, para além da sua enxaqueca, a ‘cefaleia secundária ao uso excessivo de analgésicos’, segundo Londero.
“Se estiverem entre as medicações usadas o tramado e a codeína (estes dois nem deveriam ser usados por pessoas com enxaqueca), o isometepteno, o carisoprodol, os triptanos (medicações específicas para enxaqueca), o limite é de 10 dias de uso por mês”, diz a neurologista.
Confira dicas dela para quem sofre com dor de cabeça:
- Ingerir água na quantidade usualmente recomendada pelos nutricionistas/nutrólogos: 2 a 3 litros por dia;
- Fazer atividade física aeróbica (“a que faz suar”, segundo ela) ao menos por 40 minutos três vezes por semana. Aparentemente, quanto mais dias por semana, melhor;
- Ter horários regulares para dormir e acordar e não pular refeições. Pessoas com enxaqueca se beneficiam com uma vida “regrada”;
- Evitar o consumo diário de doses elevadas de cafeína.
Por Cármen Guaresemin
Foto capa: iStock
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