O plenário da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) aprovou projeto de lei encaminhado pelo governador Ronaldo Caiado (UB) que estabelece medidas para prevenir, coibir e reprimir acampamentos de movimentos sociais que buscam terras pela reforma agrária em Goiás. A matéria foi encaminhada no último dia antes da viagem de Caiado à China, que tem retorno previsto para esta quinta-feira (16), e ainda passará pela segunda e última votação no Legislativo na próxima terça-feira (21).
A proposta de Lei Ordinária 1186/2023 busca unificar medidas de segurança nas “faixas lindeiras e de domínio”, que compreendem área de 40 metros nas beiras de estradas, tanto estaduais quanto federais delegadas ao governo estadual. O texto assinado por Caiado pretende “instrumentalizar os meios necessários para coibir situações de ocupação ilícita” e reúne ações elencadas pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), Casa Civil, Agência Goiana de Infraestrutura (Goinfra) e Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).
Apesar de não citar diretamente movimentos sociais que ocupam as beiras de estradas em Goiás, a matéria da governadoria aponta que as providências devem seguir, entre outras disposições, a Lei Federal 4.947/1966. O dispositivo definiu, há 57 anos, as normas de Direito Agrário no país e criou o “Sistema de Organização e Funcionamento do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária”, que atualmente segue executado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
As principais providências previstas no projeto incluem trabalho intersetorial do governo para identificar e encerrar as ocupações, com destaque para atuação da Polícia Militar e Polícia Civil, com adoção de “medidas de desforço imediato para garantir a dominialidade do bem público”. Pela Lei, qualquer “autoridade administrativa” que “tomar ciência” de um acampamento deverá elaborar relatório às forças policiais com endereço e extensão da área, além de “imagens do local e suas adjacências”.
Depois da identificação, o estado passa a ser obrigado a reprimir o movimento e aplicar multa a cada um dos presentes na ocupação, segundo define a Lei Estadual 14.408/2003, que trata do uso das faixas de domínio, além de autuação por infração ambiental. Deverá ainda fazer o cruzamento de dados para a exclusão de todos de quaisquer programas sociais do estado.
A lei ordinária ainda avança sobre a responsabilização civil e define “busca e apreensão nos materiais usados para a invasão” e ainda o “afastamento de sigilos” para eventual realização de “busca domiciliar”. O projeto prevê ainda: “conduzir coercitivamente os invasores para a oitiva deles pelas autoridades policiais”.
Atualmente, o estado tem 51 acampamentos de trabalhadores sem terra nas estradas, organizados por três movimentos diferentes (veja o quadro ao lado). A maior parte deles (29) é comandada por sindicatos rurais de municípios, organizados pela Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura familiar do Estado de Goiás (Fetaeg).
Outras 12 ocupações são realizadas pela Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), que é ligada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), e 10 do Movimento Popular Terra Livre. Ao todo, são estimadas 3.318 famílias. O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) não possui acampamentos em estradas goianas.
Ainda na justificativa, Caiado aponta que as medidas previstas não se resumem à “questão dominial” das estradas, mas também “objetiva a preservação de vidas humanas em zonas arriscadas de trânsito, bem como a proteção do patrimônio estatal”. O governador escreve ainda que “a combinação de medidas preventivas e repressivas aos invasores, inclusive com a exclusão dos identificados nos programas sociais estaduais, poderá inibir ocupações ilícitas nesses espaços”.
Perseguição ideológica
Único voto contrário na primeira votação, o deputado estadual Mauro Rubem (PT) acusa motivação ideológica para o projeto. “Isso materializa a origem do nosso governador Caiado, que sempre foi contra os movimentos sociais que lutam por terras para morar ou produzir. Esse projeto procura impedir os movimentos e também cria uma dificuldade para quem usa as faixas lindeiras para vender, comercializar e até produzir”, aponta o deputado.
Desde a reeleição, em 2022, Caiado tem intensificado o discurso contra as invasões de terras e voltou a definir posição pública em agosto, durante evento em São Paulo. “No estado de Goiás não temos nem vamos ter invasões de terras. No nosso estado não existe tese de invasão de terra”, discursou.
O coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) em Goiás, Saulo Reis, aponta que a aprovação da proposta resultaria na prática em “despejo” dos acampamentos. “Nós não entendemos que seja uma questão de segurança. É uma perseguição ideológica do governador. As únicas ocorrências de violência em acampamentos que são registradas em Goiás são causadas pelo próprio governo contra famílias acampadas, por meio da Polícia Militar”, afirma.
O líder do governo, deputado Wilde Cambão (PSD), defendeu a aprovação do projeto e rejeita a acusação de perseguição ideológica. “É um exagero. São afirmações fora da realidade. As coisas não podem ser polarizadas a esse nível. A lei não está perseguindo, só está fazendo com que as pessoas não façam coisas erradas no patrimônio que é público”, argumenta.
Saulo Reis levou reclamações sobre o projeto em reunião com a ouvidoria do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), que pretende atuar apenas na “mediação” da questão. A Pastoral da Terra já prepara ações para judicializar a Lei, quando for sancionada. “Temos consultado advogados, juristas e promotores. Todos são enfáticos em dizer que esse projeto é inconstitucional”, conta.
Fonte: O Popular
Foto: Danilo Guimarães
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