Com depressão, Eduardo Peixoto (UB) renunciou ao mandato de prefeito de Chapadão do Céu. A decisão foi comunicada à Prefeitura na segunda-feira (30) e, no dia seguinte, ele enviou a carta de renúncia à Câmara Municipal da cidade, que fica a cerca de 470 km de Goiânia.
Em entrevista ao portal, Peixoto diz que a sua decepção com a justiça brasileira foi determinante para o agravamento da doença. Ele se diz frustrado com a forma como foram conduzidas as eleições de 2022. O político criticou o que chamou de “interferências” do Judiciário na política.
Peixoto foi eleito em 2020 com 3,5 mil votos, para um terceiro mandato. Também foi vice-prefeito, vereador e presidente da Câmara. A depressão, com a qual diz lidar há anos, fez com que se ele afastasse do cargo de prefeito ainda em 2021. Após um período em recuperação, a pedido do vice, Vinicius Terin (MDB) – que agora assume de vez a gestão -, retornou ao cargo no final do ano passado.
Qual foi o principal fator que levou o sr. a renunciar ao mandato?
Foi um problema de saúde recorrente, a depressão. Sempre tratei, sempre consegui administrar, mas agora já está em uma fase que a gente tem que descansar. Graças a Deus estou me recuperando. Já fui vereador, presidente da Câmara Municipal, vice-prefeito e prefeito por duas vezes, essa foi a terceira. Decidi que era melhor deixar administrar quem tem mais energia e condições, atualmente, do que eu.
O atual mandato de prefeito foi determinante para chegar a esse ponto?
Foi muita preocupação, estresse. Talvez (o mandato) também. Mas já é uma condição genética. Então, tenho que descansar a cabeça um pouquinho.
O sr. lembrou que já foi vereador, presidente da Câmara, vice-prefeito e prefeito. Acha que na política alguns fatores foram se acumulando?
Sempre defendi que as pessoas de bem entrassem na política. Mas o que está acontecendo no Brasil hoje é uma inversão de valores, e isso me desagradou muito. É um acúmulo, não é só um fator. Graças a Deus, a gente sempre procurou fazer o melhor possível. A justiça brasileira está deixando a desejar e esse é um ponto que me judia muito. Espera-se da justiça que no mínimo ela seja justa e, na minha opinião, ela não está sendo. Está interferindo no rumo do país. Estou muito decepcionado com a justiça brasileira no geral, porque está interferindo na política de uma maneira injusta. Não está beneficiando os bons gestores.
O que o sr. quer dizer exatamente por interferências da justiça na política?
Hoje, eu estou desapontado com o rumo da política. Seria bom que as pessoas de bem entrassem na política para ajudar mais. Não sou santo, mas sempre procurei fazer o correto.
O sr. falou também que quer uma justiça mais justa. O que isso significa?
Hoje, o que a gente observa é que o mérito da questão é o que menos importa. O que importa é a causa, local. A gente fica meio chateado, com um sentimento de impotência.
Tem alguma situação específica?
A situação do Brasil hoje, independente desse ou daquele. A gente não pode nunca perder a esperança, mas fica o sentimento de impotência.
O sr. fala da situação atual, é da presidência da República?
É isso, principalmente. Não defendo direita ou esquerda. Não é isso, mas a maneira como tem acontecido a interferência dos poderes frustra. A maneira como foi conduzido o processo eleitoral me frustrou bastante.
Como deve ser daqui pra frente?
Vou acompanhar. Graças a Deus a gente não depende de política, sempre foi por um ideal. Entrei na política por um ideal e vou continuar acompanhando o tanto que eu puder. Não diretamente. A gente trabalha com agricultura. Já passei para os meus filhos. Então, a gente acompanha só. Nunca fui funcionário, sempre fui da iniciativa privada. A gente está aqui antes de existir Chapadão do Céu. Essa cidade nasceu de um sonho e está na hora de passar o bastão para pessoas com energia e condições de fazer melhor do que eu.
Como o sr. avalia o seu mandato até aqui?
No primeiro ano, já tive um episódio depressivo e saí por interesse particular para tratar (a depressão). Retornei quando o vice, no ano passado, manifestou o interesse em dar uma descansada. Agora, resolvi renunciar para que eu tenha mais liberdade e menos preocupações.
O sr. falou que a depressão é uma questão recorrente. O sr. lembra quando começou e quando iniciou o tratamento?
Isso eu tenho há muito tempo. Acho que eu já nasci assim. Mas chegou a um ponto agora… (não termina a frase). São muitos fatores. Mas o que é mais forte é que eu estou decepcionado com a justiça brasileira, por ter interferido na gestão política do nosso país.
Como foi comunicar a sua decisão para as pessoas da prefeitura e para os vereadores?
Temos um grupo da administração, com secretários, e manifestei que teria que descansar um pouco e estressar menos.
Depois da renúncia, o sr. se sente aliviado?
É um sentimento dúbio. Sempre gostei muito de política. Ao mesmo tempo que é um alívio, que tiro uma carga das minhas costas, é também reconhecer uma fraqueza. Não poderia continuar, e tenho que ser honesto comigo mesmo e com a administração.
O sr. acha que a depressão ainda é um tabu na política?
É por todos os lados, mas na política, talvez, mais ainda. O que é frustrante hoje é que você fica meio incapaz, está tudo muito burocrático, muito lento. As pessoas que querem fazer o certo se frustram muito com a situação atual.
O sr. está fazendo acompanhamento médico?
Sim, estou fazendo acompanhamento médico com medicamentos.
Qual o recado o sr. pode deixar para quem também sofre com a depressão?
Olha, tem que fazer o possível, que é difícil. Mas quando a gente consegue superar, a gente fica mais forte.
“A crise política ao afetar a saúde mental tende a ter peso maior sobre atores políticos”, diz especialista
Para a psicóloga e coordenadora do Programa em Nome da Vida (Cdex/Proex) da PUC Goiás, Marina Morabi, a crise política afetar a saúde mental é um fato que tem ocorrido na sociedade brasileira, e com maior peso para os atores políticos. Ela avalia que, no contexto das redes sociais e do acirramento político no Brasil, há uma projeção maciça de raiva sobre o outro. No entanto, observa que, no passado, isso terminava após o processo eleitoral. A diferença, segundo ela, é que agora permanece mesmo após o resultado do pleito.
“Depois das eleições, isso se diluía. Agora, não. Agora, é ininterrupto”, diz ao ponderar que a postura cada vez mais violenta das críticas é um agravante. O que acaba desencadeando, segundo avalia Marina, um processo de esgotamento mental. “Porque é como se eu precisasse estar o tempo todo em posição de luta, psiquicamente falando. Se já tenho uma tendência para o processo mais depressivo, vou ficando ainda cada vez mais esvaziado, cada vez mais esgotado”, explica.
Para ela, há uma descarga dessa raiva sobre o outro, por aquilo que não o representa. “Daquilo que eu acho que é uma crença minha, que o outro não está ecoando e começo a julgá-lo e a criticá-lo por isso, normalmente com um tom muito mais agressivo. Agora, tem impactado também muito psiquicamente quem tem sido alvo dessas críticas e de modo continuado”, pontua.
Marina afirma que o fato da crise política afetar a saúde mental é algo que tem ocorrido na sociedade brasileira, e tende a ter maior peso sobre as pessoas que estão em posição de poder. “Como figuras públicas, elas têm uma interface entre público e privado muito estreita, muito fina, muito sutil. Ficam sendo observadas, vigiadas, analisadas não só dentro do seu fazer técnico, mas em todos os outros contextos, familiares, sociais”, explica.
Para a especialista, isso tende a favorecer o destaque a traços mais ansiosos que aquela pessoa já possua. “Então, isso pode agravar fatores psicopatológicos de desencadeamento de ansiedades mais severas, generalizadas”, diz.
Segundo a psicóloga, o tema ainda é tabu na política porque as pessoas acham que não precisam se sensibilizar com o adoecer daqueles que elas colocaram como heróis. “Eu preciso sempre ter aquela imagem do herói, aquela imagem da pessoa que está passando por todas as dificuldades, e sai transformada. É o herói daquela população e, por isso mesmo, ele vai ser eleito.”
Fonte: O Popular
Foto: Divulgação
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