28 de dezembro de 2024
UFJ recusa matrícula de aluno autista em curso de medicina por entender que ele não é pardo

Elizeu Augusto de Freitas não foi aceito em UFJ por não ser considerado pardo (Foto: Arquivo Pessoal)

Aluno que se inscreveu no Sistema de Seleção Unificada (SiSu) na categoria L10, disse não ter sido considerado pardo por banca de universidade.

O jovem de 19 anos, Elizeu Augusto de Freitas, que é autista e autodeclarado pardo, havia passado em primeiro lugar na categoria L10, no Sistema de Seleção Unificada (SiSu), para o curso de medicina na Universidade Federal de Jataí. Ele é de Porto Velho, em Rondônia, e estava sonhando com o momento das primeiras aulas. Até que a história virou um pesadelo para ele e sua família.

A categoria L10 é para candidatos com deficiência e também autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. É necessário comprovar renda familiar bruta mensal igual ou menor que um salário mínimo e meio por pessoa da família e ter feito todo o ensino médio em escola pública.

Em entrevista, Elizeu contou que acompanhou os editais dos aprovados e fez todo o acompanhamento da vaga. Entregou toda a documentação exigida e, no momento da entrevista, que foi feita de maneira remota, a banca considerou que ele não tinha fenótipo de pardo.

“Eu fiquei bem surpreso. Tinha certeza que iria passar. É bem óbvio o fato de eu ser pardo, então a decisão me surpreendeu”, afirmou.

Elizeu conta que se dedicou muito para passar. “Foi um ano inteiro de estudos”, diz. Ele conta que ficou muito contente quando viu que havia passado em primeiro lugar.

Na Justiça

A família de Elizeu relata que já procurou um advogado para recorrer da decisão. “Estamos com um advogado que entrou com um pedido de liminar. Em primeira instância, o juiz negou. Disse que a avaliação da instituição deveria prevalecer”, conta Elizeu.

Mesmo assim, ele está otimista e acredita que conseguirão reverter a situação.

“Ontem fizemos um exame dermatológico. O laudo que comprova que sou pardo irá se juntar aos demais documentos na ação”, diz.

Elizeu tem o apoio dos irmãos, Pedro Henrique Passos de Freitas, de 21, e Ketlen Beatriz Passos da Silva, de 25. Os dois estão acompanhando de perto o processo e dando apoio a Elizeu.

“Já temos o laudo médico, que é fundamental. Com ele, não mais o que se debater. O médico explicou que os tons de pele são classificados por números e que Elizeu é 4, que significa pardo”, relata Ketlen.

Ela conta que toda a família tem sangue afrodescendente, por parte de pai e mãe. “Minha mãe é negra e meu pai pardo. Eles estavam procurando características físicas, como lábios carnudos, mas mesmo minha mãe, que é negra, não tem”, diz.

Já Pedro Henrique, que estuda em uma universidade federal também pelo sistema de cotas, faz um apelo. “Fui aprovado como pardo e ele, que é meu irmão, não. Quero pedir que o legislativo faça uma lei sobre isso, regulamentando, uniformizando o sistema de cotas, porque da forma como está, é muito subjetivo. Cada um entende como quer”, afirma.

Resposta

A reportagem solicitou uma explicação à Universidade Federal de Jataí (UFJ) em relação ao indeferimento da matrícula de Elizeu. Por meio de nota, a instituição afirmou que todas as pessoas que se inscrevem nas modalidades de reserva de vagas destinadas a pessoas pretas, pardas ou indígenas são avaliadas pela Comissão Permanente de Heteroidentificação.

“Ressalta-se que, no procedimento de heteroidentificação são aferidas, no conjunto de características físicas visíveis dos candidatos, a cor da pele associada às demais marcas ou características da população negra (formato do nariz, textura de cabelos e lábios) que, em conjunto, atribuem ao sujeito a aparência racial negra, cotejadas nos contextos relacionais locais. Não foram considerados, para fins do processo de heteroidentificação, laudos médicos, registros, documentos pretéritos, imagens e certidões que se refiram à confirmação de heteroidentificação em processos anteriores, conforme dispõe o Art. 9º da Portaria Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018”, diz a nota.

Ainda, que o estudante foi entrevistado em duas oportunidades. Na primeira, a maioria da banca, composta por cinco membros, indeferiu a participação do candidato por não o considerar, fenotipicamente, negrou ou pardo.

“Num segundo momento, após recurso impetrado pelo candidato, ele foi entrevistado por 3 outros membros da Comissão de heteroidentificação e teve, novamente, sua participação nas cotas étnico-raciaisindeferida”, escreveu a instituição.

Confira nota na íntegra:

Acerca do questionamento sobre o processo de ingresso pela modalidade de Reserva de vagas destinada a pessoas pretas, pardas e indígenas, a Universidade Federal de Jataí (UFJ) informa que as ações afirmativas com recorte étnico-racial acontecem na Universidade desde 2008. E todos os candidatos que se inscrevem nos processos seletivos de ingresso, em qualquer modalidade de reserva de vagas que seja destinada a pessoas pretas, pardas ou indígenas, são avaliados pela Comissão Permanente de Heteroidentificação.

A Comissão Permanente de Heteroidentificação da UFJ atua no procedimento complementar de heteroidentificação dos candidatos em processos seletivos e concursos públicos que acessarem políticas de ações afirmativas para a população negra (de cor preta ou parda) no âmbito da UFJ. A composição da Comissão atende ao critério da diversidade, garantindo que seus membros sejam distribuídos por gênero, cor e, preferencialmente, naturalidade. Conforme disciplina o Art. 9º da Portaria Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (atual Ministério da Economia).

Os membros da referida comissão são servidores (docentes e Técnicos Administrativos) devidamente capacitados para tal atuação. A comissão já realizou e/ou participou de uma série de eventos e capacitações com intuito de discutir e estudar as orientações contidas na PORTARIA NORMATIVA Nº 4, DE 6 DE ABRIL DE 2018, que atualmente regulamenta o procedimento de heteroidentificação, objetivando sempre aperfeiçoar e qualificar seu trabalho. O procedimento de Heteroidentificação (entrevista) é devidamente documentado (gravado e arquivado) e segue um rito legal e institucional baseado na lisura e transparência do processo. Nos editais de ingresso há informação sobre quem são as pessoas com direito a estas cotas.

A Comissão Permanente de Heteroidentificação da UFJ utiliza exclusivamente o critério fenotípico para a aferição da condição declarada pelo candidato. São consideradas as características fenotípicas do candidato ao tempo da realização do procedimento de heteroidentificação. Não são considerados quaisquer registros ou documentos pretéritos eventualmente apresentados, inclusive imagem e certidões referentes a confirmação em procedimentos de heteroidentificação realizados em concursos públicos federais, estaduais, distritais e municipais.

Conforme disciplina o Art. 3 da Portaria Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (atual Ministério da Economia): “Art. 3º A autodeclaração do candidato goza da presunção relativa de veracidade. § 1º Sem prejuízo do disposto no caput, a autodeclaração do candidato será confirmada mediante procedimento de heteroidentificação; § 2º A presunção relativa de veracidade de que goza a autodeclaração do candidato prevalecerá em caso de dúvida razoável a respeito de seu fenótipo, motivada no parecer da comissão de heteroidentificação.”

O Supremo Tribunal Federal, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 41, declara legítima a utilização de mecanismos de verificação como a heteroidentificação em concursos públicos e processos seletivos, não restando dúvida sobre a legitimidade de atuação da Comissão Permanente de Heteroidentificação da UFJ “a fim de garantir a efetividade da política em questão, também é constitucional a instituição de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação (e.g., a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa.”

Ressalta-se que, no procedimento de heteroidentificação são aferidas, no conjunto de características físicas visíveis dos candidatos, a cor da pele associada às demais marcas ou características da população negra (formato do nariz, textura de cabelos e lábios) que, em conjunto, atribuem ao sujeito a aparência racial negra, cotejadas nos contextos relacionais locais. Não foram considerados, para fins do processo de heteroidentificação, laudos médicos, registros, documentos pretéritos, imagens e certidões que se refiram à confirmação de heteroidentificação em processos anteriores, conforme dispõe o Art. 9º da Portaria Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018.

Em duas oportunidades, a referida comissão entrevistou o candidato Elizeu Augusto de Freitas Júnior, para seleção no âmbito do Sistema Unificado de Seleção (SISU) da UFJ. Na primeira ocasião, a maioria da banca, composta por 5 membros, indeferiu a participação do candidato nas políticas de ações afirmativas para população negra (de cor preta ou parda) da UFJ por não o considerar, fenotipicamente, negro (de cor parda ou preta).

Num segundo momento, após recurso impetrado pelo candidato, ele foi entrevistado por 3 outros membros da Comissão de Heteroidentificação e teve, novamente, sua participação nas cotas étnico-raciaisindeferida. Cabe destacar, a respeito da fase recursal, que a Portaria Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão (atual Ministério da Economia), determina:“Art. 13.

Os editais preverão a existência de comissão recursal. § 1º A comissão recursal será composta por três integrantes distintos dos membros da comissão de heteroidentificação. (…) Art. 15. Em suas decisões, a comissão recursal deverá considerar a filmagem do procedimento para fins de heteroidentificação, o parecer emitido pela comissão e o conteúdo do recurso elaborado pelo candidato. § 1º Das decisões da comissão recursal não caberá recurso.”

O candidato teve acesso, via sistema, aos dois pareceres da banca de heteroidentificação justificando sua desclassificação no certame.

Família de Elizeu, que teve matrícula negada em Universidade Federal de Jataí (Foto: Arquivo Pessoal)
Elizeu ao lado de mãe e irmãos (Foto: Arquivo Pessoal)

Fonte: O Popular
Foto: Arquivo Pessoal
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