
Foto: Arquivo Pessoal
A crescente judicialização de casos envolvendo saúde mental no ambiente de trabalho revela um fenômeno preocupante: o tratamento inadequado que muitas empresas ainda dispensam a empregados em situação de vulnerabilidade psíquica.
Um recente julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região — em que a advogada Gabrielle Teixeira atuou em defesa do empregado — chamou atenção ao reconhecer como discriminatória a dispensa de um trabalhador que se encontrava em tratamento psiquiátrico e amparado por atestado médico.
A decisão reformou sentença anterior e reconheceu que a ruptura do vínculo de emprego, formalizada exatamente no momento em que o empregado apresentava atestado médico com indicação de afastamento por 90 dias para tratamento de transtorno bipolar e síndrome de Burnout, violou garantias fundamentais do trabalhador.
A dispensa, originalmente justificada como “por justa causa”, foi convertida em dispensa sem justa causa, com a condenação da empregadora ao pagamento de salários em dobro durante o período de afastamento, indenização substitutiva decorrente da estabilidade provisória e compensação por danos morais.
O ponto central do julgamento foi o reconhecimento de que a empresa ultrapassou os limites do seu poder diretivo ao dispensar, de forma abrupta e desamparada de motivação legítima, um trabalhador em evidente situação de adoecimento mental.
O Judiciário destacou que a dispensa, nessas circunstâncias, constitui uma forma velada de discriminação, ainda mais grave por incidir sobre um empregado em tratamento de saúde. A análise foi conduzida sob três prismas: o plano normativo interno, o plano constitucional e o plano internacional.
No plano normativo interno, a decisão teve por fundamento a Lei nº 9.029/1995, que veda práticas discriminatórias para fins de manutenção da relação de trabalho, incluindo a dispensa de empregados por razões relacionadas a enfermidades. A referida norma autoriza expressamente o pagamento de salários em dobro nos casos em que restar caracterizada a dispensa discriminatória.
No plano constitucional, aplicou-se o princípio da dignidade da pessoa humana como limite à autonomia privada do empregador. O abuso de direito, previsto no art. 187 do Código Civil, foi identificado na conduta de dispensar um empregado fragilizado, sem qualquer medida de acolhimento ou tentativa de readaptação, numa clara violação aos direitos fundamentais à saúde, ao trabalho e à não discriminação.
No plano internacional, invocou-se a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 1965, que expressamente proíbe discriminações no emprego e ocupação, incluindo aquelas baseadas em estado de saúde.
O tribunal também reconheceu que doenças psíquicas ainda são envoltas por forte estigma social. Ao não demonstrar, de forma cabal, as faltas graves que justificariam uma demissão por justa causa, e ao ignorar o atestado médico apresentado no mesmo dia da dispensa, a empresa praticou ato ilícito passível de indenização.
O caso reitera a necessidade de que empregadores adotem condutas responsáveis e diligentes diante de situações de adoecimento mental de seus empregados. O poder de direção, embora assegurado ao empregador, não pode ser exercido de forma arbitrária ou insensível à condição humana daquele que presta o trabalho.
A jurisprudência trabalhista tem avançado no reconhecimento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, exigindo das empresas o respeito a parâmetros mínimos de solidariedade e responsabilidade social nas suas práticas internas. A dispensa de um empregado em tratamento psiquiátrico, sem o devido respaldo médico, sem processo regular de apuração e sem tentativa de diálogo, configura, cada vez mais, uma conduta vedada pela ordem jurídica.
O Judiciário tem demonstrado que o sofrimento mental não pode ser tratado como inconveniente. Ao contrário, exige acolhimento, respeito e proteção especial. Ignorar esse dever é infringir a lei, violar a dignidade e, como tem demonstrado a jurisprudência recente, incorrer em responsabilidade civil.
Gabrielle Teixeira de Oliveira — OAB/GO 69.516
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Jataí
@gabrielle_advogada
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