Magistrado cita Gestapo e Maquiavel em decisão que anulou provas e concedeu habeas corpus a acusado de tráfico

Por Nalanda Gabrielle, do Portal Pn7

Um acórdão favorável ao habeas corpus, acompanhado pelos demais desembargadores, foi proferido no último mês, mas ganhou repercussão nesta semana em diversos meios de comunicação. A decisão concedeu liberdade a um acusado preso em flagrante com aproximadamente 4,2 quilos de cocaína e 2 quilos de crack. O relator acolheu a tese da defesa, feita pelo advogado Frederico Aparecido Batista, considerando que a atuação policial violou garantias fundamentais e apresentava inconsistências no Auto de Prisão em Flagrante, além da ausência de elementos mínimos que justificassem a ação estatal.

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Críticas à atuação policial

Segundo o desembargador, a prisão foi baseada apenas em supostas “denúncias anônimas” recebidas por um “serviço de inteligência”, sem identificação dos agentes responsáveis pelas informações. “No Estado Constitucional e Democrático de Direito, não se transige com a possibilidade de atividades típicas da Geheime Staatspolizei (Gestapo – Polícia Secreta Nazista)”, afirmou o magistrado, criticando a falta de transparência sobre a origem das denúncias.

Linhares Camargo também destacou que não foi informado por quais canais essas denúncias teriam sido recebidas — e-mail, telefone funcional, Copom ou outro meio institucional — e alertou para os riscos de aceitar delações anônimas sem verificação. “As delações podem ser apócrifas; os agentes do Estado, nunca”, frisou.

Crítica ao uso de “Ctrl+C e Ctrl+V” em depoimentos

Outro ponto abordado pelo magistrado foi a uniformidade suspeita dos depoimentos no Auto de Prisão em Flagrante. O relator apontou que os registros eram idênticos, com sinais evidentes de uso de “Ctrl+C e Ctrl+V” na edição dos documentos. “Os depoimentos são absolutamente idênticos, e todos os erros que poderiam ter ocorrido no lexo, no panlexo, em cada palavra que foi dita, foram reproduzidos. É impossível que duas pessoas reproduzam a literalidade contextual de um evento com as mesmas palavras”, afirmou.

Na fundamentação do voto, o desembargador também mencionou a prática conhecida como fishing expedition (pescaria probatória), em que o Estado inicia diligências sem indícios concretos, buscando encontrar alguma infração. Ele rejeitou essa conduta, criticando a ideia de que os fins justificariam os meios, remetendo ao pensamento maquiavélico exposto em O Príncipe e à obra Heroides, de Ovídio. O magistrado ainda citou o artigo de Alexandre Morais da Rosa, que discute os desafios do Processo Penal para punir “dentro das regras do jogo válido”.

Decisão unânime

Por unanimidade, a 4ª Câmara Criminal do TJGO seguiu o voto do relator e determinou a anulação de todas as provas contra o acusado, bem como o trancamento do processo-crime, “diante da inexistência de prova de materialidade hígida e imune à ilicitude”. Assim, foi anulada a apreensão dos 4,2 kg de cocaína e 2 kg de crack.

O relator reconheceu diversas violações, como a falta de comprovação de denúncias anônimas, a ausência de fundada suspeita para a ação policial, a falta de Aviso de Miranda (direito ao silêncio), a fishing expedition e a inviolabilidade domiciliar.

Leia aqui o acórdão: Acesse o documento

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