
Imagine o seguinte cenário: um colaborador entrega um atestado médico na sexta-feira. Dois dias de afastamento. Justo antes de um feriado prolongado. Essa é a quinta vez que isso acontece este ano.
Você aceita. Afinal, é um atestado. Mas internamente começa a desconfiar.
- Será que é verdadeiro?
- Posso contestar?
- Se eu não aceitar, posso ser processado?
- Se eu aceitar e for falso, posso demitir por justa causa?
Essas são as perguntas que muitos empregadores fazem — e a maioria não sabe que já existe jurisprudência, limite legal e boas práticas claras para proteger o negócio.
Esse artigo é o seu manual definitivo para tratar atestados médicos com clareza, segurança e assertividade. Acompanhe:
1. Quais atestados são válidos para abonar faltas?
Todo atestado emitido por médico ou dentista com registro no CRM ou CRO é válido para justificar ausência. Ele precisa conter:
- Nome completo do paciente;
- Tempo de afastamento recomendado;
- Data de emissão;
- Assinatura e carimbo do profissional.
Importante: O CID (Código Internacional de Doenças) não pode ser exigido.
O TST já decidiu (RO 213 66.2017.5.08.0000) que forçar o trabalhador a informar o CID é ilegal e viola o direito à privacidade e à intimidade. Exigir isso pode gerar indenização por dano moral.
2. Prazo para apresentação: sim, sua empresa pode definir
Você pode — e deve — estabelecer uma política interna determinando o prazo para entrega do atestado. O mais comum é exigir a apresentação em até 48 horas após o retorno ao trabalho. A ausência desse controle pode abrir brecha para alegações abusivas ou reincidência de condutas suspeitas.
3. Atestado para acompanhar filho: um direito com limite (e espaço para negociação)
A CLT garante ao empregado o direito de se ausentar por 1 dia por ano para acompanhar filho de até 6 anos ao médico. Mas aqui está o ponto: isso é o mínimo da lei.
Empresas que valorizam clima organizacional podem adotar práticas mais humanas — como permitir mais acompanhamentos via compensação no banco de horas. Isso gera equilíbrio entre produtividade e bem-estar.
4. Qual atestado tem preferência?
Se dois atestados se contradizem (ex: um do SUS e outro do médico da empresa), o empregador pode definir uma ordem de prevalência, desde que prevista em norma interna ou convenção coletiva.
A jurisprudência admite o seguinte critério, desde que previamente comunicado:
- •Atestado do médico da empresa ou conveniado;
- Atestado de médico particular;
- Atestado de unidade pública (SUS).
Importante: em setembro de 2023, o TST (processo RO 1070 78.2018.5.08.0000) decidiu que é válida cláusula de convenção coletiva que exige que atestados de médicos particulares sejam submetidos à validação pelo médico da empresa.
A ministra Maria Cristina Peduzzi, relatora, afirmou que essa exigência é legítima, especialmente quando a empresa dispõe de serviço médico
próprio e oferece alternativas razoáveis de atendimento ao trabalhador. Ou seja: sua empresa pode prever esse filtro — e a Justiça do Trabalho reconhece isso.
5. Atestados repetidos antes de feriados: o que a Justiça entende?
Um caso emblemático: um metalúrgico apresentou 18 atestados médicos, todos de dois dias, sempre antes de feriados prolongados. O médico que assinava estava sendo investigado por fraude.
Mesmo o RH tendo aceitado os documentos, a empresa abriu uma sindicância, comprovou a irregularidade e aplicou a justa causa.
O TST validou a demissão (processo RR 11385 22.2019.5.15.0135). A coincidência das datas foi considerada indicativa de má-fé e reforçou a regularidade do desligamento. Resultado: o trabalhador perdeu a estabilidade e todos os direitos rescisórios.
Esse precedente é uma blindagem para empresas que agem com cautela, documentação e estratégia.
6. Como agir em caso de suspeita de fraude?
Veja um passo a passo prático:
- Registre e organize os atestados apresentados.
- Identifique padrões suspeitos (datas, repetição, mesmo médico).
- Solicite avaliação médica complementar, se previsto em política interna.
- Formalize uma sindicância.
- Avalie a aplicação de justa causa com base em provas — sempre com suporte jurídico.
Agir sem critério pode gerar reversão judicial. Por isso, documentação e assessoria são indispensáveis.
7. CID: nunca exija
O TST já decidiu: exigir CID é abusivo. A norma que obrigava isso foi anulada no RO 213 66.2017.5.08.0000.
A informação de diagnóstico é protegida constitucionalmente. E a violação da intimidade do trabalhador pode custar caro em indenizações e desgaste institucional.
8. Médicos do SUS x médicos da empresa: você pode (e deve) controlar
Você não está obrigado a aceitar cegamente qualquer atestado. Se houver cláusula coletiva ou política válida, pode exigir validação pelo médico do trabalho da empresa.
O TST já reconheceu essa possibilidade como legítima e equilibrada, desde que não se transforme em rejeição automática ou discriminação ao atendimento externo.
9. Como criar uma política interna de forma segura
Sua política interna deve responder com clareza:
- Quais tipos de atestados serão aceitos?
- Qual o prazo para entrega?
- Quando é necessário validar o atestado internamente?
- A ordem de preferência entre médicos?
- Quando e como o atestado pode ser contestado?
- Atestado para filhos pequenos: como tratar?
- O CID será exigido? (Resposta: não.)
Documente. Treine sua equipe. Divulgue aos funcionários. E atualize com apoio jurídico sempre que necessário.
10. Conclusão: clareza evita conflito, política protege e a jurisprudência respalda
Atestado médico é, sim, um direito do trabalhador — mas também é um ponto sensível de gestão para o empregador. Quando mal administrado, abre brechas para fraudes, absenteísmo recorrente, insegurança jurídica e até para a reversão de uma justa causa.
Por outro lado, quando tratado com regras claras, políticas internas bem definidas e base legal sólida, torna-se um instrumento de proteção mútua: o colaborador se sente respeitado e a empresa se blinda de riscos.
A boa notícia é que a jurisprudência do TST tem caminhado no sentido de reconhecer o direito das empresas de exigir critérios mínimos, como o prazo de entrega, a ordem de preferência dos atestados e até a submissão de atestados particulares à avaliação do médico da empresa, desde que isso esteja formalizado em norma coletiva ou política interna transparente.
Portanto, se sua empresa ainda não estruturou uma política oficial sobre atestados médicos, o momento é agora.
Estabeleça os critérios. Comunique de forma acessível. Treine lideranças. Mantenha respaldo jurídico.
Empresas que agem com prevenção economizam tempo, evitam litígios e constroem um ambiente de trabalho mais profissional, respeitoso e equilibrado para todos.
Sebastião Barbosa Gomes Neto — OAB/GO 50.000
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás
Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET/GO
Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC/MG
Negociador
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