Cigarro eletrônico, vape, e-cigarrette e até “pen drive”: os dispositivos eletrônicos para fumar estão se tornando cada vez mais populares no Brasil. Em uma embalagem colorida, com sabores diferentes, sem o cheiro ruim do cigarro tradicional e com uma grande quantidade de fumaça, os produtos são muito comuns entre os jovens, apesar de não poderem ser comercializados no país.
Os cigarros eletrônicos são proibidos desde 2009 no Brasil por uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em nota enviada, a agência explica que está em curso uma etapa de coleta de dados técnicos e científicos para análise do impacto regulatório do veto aos produtos que pode servir para reverter a opinião da Anvisa sobre o assunto.
Na esteira da discussão, várias associações médicas se juntaram para se posicionar veementemente contra a liberação do uso dos cigarros eletrônicos. Assinam o documento, que foi publicado em 9 de maio, a Associação Médica Brasileira (AMB), a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (ABEAD), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Os médicos afirmam que os cigarros eletrônicos são “uma ameaça à saúde pública” por não só terem efeitos danosos à saúde, mas também por serem porta de entrada dos jovens no mundo da nicotina.
“Além da manutenção da proibição definitiva desses dispositivos no Brasil, é necessário iniciar uma rotineira e efetiva fiscalização da venda desses produtos, assim como buscar meios de impedir que os grandes conglomerados de comércio varejista continuem a desafiar as autoridades de saúde. Os cigarros eletrônicos não podem reverter décadas de esforços da política de controle do tabaco no Brasil”, diz o documento.
O prazo de recolhimento de informações pela Anvisa termina no dia 10 de junho. Enquanto isso, a proibição segue e agência é uma das responsáveis por fiscalizar a venda, junto com as vigilâncias sanitárias (Visa) locais.
No Distrito Federal, o diretor da Visa, André Godoy, conta que o “cobertor é curto” na agência, e não há pessoal suficiente para fiscalizar. Ainda assim, em oito meses, foram emitidos 71 autos de infração do uso de fumígenos (como são chamados os cigarros eletrônicos) em ambiente fechado, 60 tabacarias foram interditadas e mais de 2 mil vapers foram apreendidos.
“É proibido vender. O nosso foco é evitar a distribuição, o Brasil é um exemplo no combate ao fumo e precisamos voltar a agir forte nesse assunto. Incentivamos que a população denuncie a comercialização do produto via 160, 162, ou pelo site da ouvidoria do GDF. O local que está vendendo não só está cometendo uma infração sanitária como também pode ser indiciado por contrabando, já que os cigarros eletrônicos são proibidos pela Anvisa”, explica Godoy.
Porta de entrada
O pneumologista Paulo Corrêa, coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), conta que uma das principais preocupações quanto ao uso de cigarro eletrônico é que pessoas não-fumantes acabam experimentando pela pressão social, ou por acharem que não faz mal, e quem usa o vape tem três vezes mais chance de tentar o cigarro convencional e se tornar fumante.
“É um produto com doses estratosféricas de nicotina, e o jovem começa por aí. Um pod completo equivale a três maços de cigarro, e quando a pessoa está fisgada pela nicotina, ela vai atrás do que puder para conseguir a substância. Como o cigarro eletrônico é caro, acaba fumando o convencional“, explica o médico. Uma vez que a pessoa está viciada, a média de tempo fumando é de 20 anos.
Os riscos
Corrêa explica que, além de todos os problemas de saúde que podem ser causados pelo uso do cigarro tradicional, o vape ainda oferece mais riscos. O filamento de metal que aquece o líquido, por exemplo, é composto de metais pesados que acabam sendo inalados. “O níquel é um exemplo. Existem pesquisas que mostram níveis 100 vezes mais altos em quem fuma cigarro eletrônico, e é uma substância cancerígena. E não adianta dizer que se expõe pouco, tem que ser nada, é o tipo de coisa que, se você se expõe, está em risco“, alerta o médico.
O líquido também tem pelo menos 80 substâncias químicas que são consideradas perigosas — um estudo francês publicado recentemente aumentou o número para 104. Até os elementos químicos usados para criar a fumaça são responsáveis por reforçar a dependência na nicotina.
“A indústria não tem estudo sobre os efeitos do propilenoglicol (que faz a fumaça) em humanos. A última pesquisa é dos anos 1980, e foi feita em animais”, explica Corrêa. As nanopartículas formadas pelo vape também podem aumentar o estado inflamatório e desencadear eventos cardiovasculares agudos, como um infarto, por exemplo.
O pneumologista conta que pessoas que fumam cigarro eletrônico podem desenvolver uma condição chamada EVALE, que é uma lesão causada pelo produto nos pulmões — a doença ficou famosa depois do sertanejo Zé Neto ter sido internado com o problema.
“A parte clínica da doença é idêntica à Covid-19, e o paciente acha que está com a infecção. Mas o quadro vai piorando e o PCR só dá negativo. Como estávamos no meio da pandemia, tudo era considerado Covid-19, porém, muitos desses casos foram pelo uso do cigarro eletrônico. E o governo não tem dados sobre isso”, diz Corrêa.
Os pulmões do publico jovem, que é o principal usuário do cigarro eletrônico, também não estão preparados para lidar com a carga de substâncias químicas inaladas. O médico explica que o órgão só atinge a maturidade, o pico de funcionamento, aos 25 anos. Antes disso, está mais suscetível a lesões.
“É um produto que não tem cheiro ruim, não dá aspereza na garganta, é perfumado, tem uma interface tecnológica, é quase um gadget, e parece que não faz tão mal assim. O jovem não pensa a longo prazo, ele quer socializar, não quer saber se faz mal no futuro. Mas é uma porta de entrada para o cigarro, e não é seguro”, alerta o médico.
Por Juliana Contaifer
Foto: Getty images
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