Sebastião Barbosa Gomes Neto — OABGO 50.000

No cenário empresarial atual, a busca por eficiência e redução de custos é constante. No entanto, práticas aparentemente inofensivas, como solicitar que um funcionário desempenhe tarefas além daquelas para as quais foi contratado, podem resultar em sérios passivos trabalhistas. Estamos falando do acúmulo e do desvio de função, situações distintas que, se não forem gerenciadas adequadamente, podem comprometer a saúde financeira e a reputação da sua empresa.

Este artigo é um alerta e, ao mesmo tempo, um convite para a ação preventiva: entender o que são essas figuras, como evitá-las e por que implantar um Plano de Cargos e Salários (PCS) é uma das soluções mais eficazes.

O Que É Acúmulo de Função?

O acúmulo ocorre quando o empregado passa a executar tarefas de outro cargo, além daquelas para as quais foi contratado, sem que haja a devida contraprestação por isso. Exemplo clássico: o auxiliar administrativo que passa a exercer também tarefas de atendimento externo ou controle de estoque.

Esse acréscimo de atividades não previstas no contrato original, quando gera aumento de responsabilidade, esforço ou complexidade, pode justificar um acréscimo salarial por acúmulo de função, com reflexos em férias, 13º, FGTS e horas extras.

E o Que É Desvio de Função?

Já o desvio de função se dá quando o trabalhador é contratado para uma atividade específica, mas, com o tempo, é realocado para exercer funções completamente diferentes — e mais complexas — sem ser promovido ou receber aumento correspondente.

É como contratar um recepcionista e, meses depois, colocá-lo para assumir tarefas típicas de assistente financeiro, sem o devido reconhecimento formal e salarial.

O desvio fere princípios como a boa-fé objetiva, o enriquecimento sem causa e o próprio princípio da isonomia salarial (art. 461 da CLT). Em juízo, as condenações por desvio de função costumam ser ainda mais graves, pois caracterizam falta de transparência contratual e desequilíbrio na relação de trabalho.

O Efeito Dominó nos Custos Empresariais

As consequências financeiras vão muito além do pagamento das diferenças salariais. Uma condenação por desvio de função gera um efeito cascata que inclui:

  • Reflexos em todas as verbas rescisórias – FGTS, 13º salário, férias e até multa rescisória são recalculados com base no valor alegado pelo funcionário;
  • Contribuições previdenciárias retroativas – a empresa precisa recolher as diferenças de INSS sobre os valores atualizados;
  • Risco de ação coletiva – quando um caso é descoberto, outros funcionários na mesma situação costumam seguir o exemplo;
  • Danos morais – os tribunais têm fixado indenizações entre 3 e 10 salários mínimos por danos à dignidade profissional.

E o mais crítico: essas alegações são de fácil acesso ao Judiciário e, muitas vezes, difíceis de rebater sem uma estrutura interna documental adequada.

Como Evitar? A Solução Está no Plano de Cargos e Salários (PCS)

O Plano de Cargos e Salários (PCS) é um instrumento estratégico previsto na CLT e altamente recomendado para empresas que desejam blindar sua gestão de pessoas contra riscos trabalhistas.

O que é um PCS?

Trata-se de um documento interno que descreve cada cargo da empresa, suas funções, responsabilidades, requisitos, faixa salarial e critérios de progressão. Ele pode ser elaborado internamente ou com o apoio de consultorias especializadas e validado por norma interna ou acordo coletivo.

Objetivos do PCS:

  • Organizar a estrutura de cargos e funções;
  • Garantir equidade salarial e transparência interna;
  • Estabelecer critérios claros de evolução profissional;
  • Evitar acúmulos e desvios de função indesejados.

Benefícios Reais:

  • Redução de litígios trabalhistas;
  • Mais clareza e engajamento dos colaboradores;
  • Melhor desempenho na retenção de talentos;
  • Organização da folha e previsibilidade orçamentária.

O que deve conter:

  • Descrição clara dos cargos e atribuições;
  • Tabela salarial com faixas por nível e complexidade;
  • Critérios objetivos para promoções e progressões horizontais e verticais;
  • Procedimentos de revisão e atualização periódica.

Tema 128 do TST: Importante Julgamento Para Empresas de Transporte

Em recente decisão (RR-0100221-76.2021.5.01.0074), o TST firmou o Tema 128, no qual ficou pacificado que:

“O exercício concomitante da função de cobrador pelo motorista de ônibus urbano não gera direito à percepção de acréscimo salarial.”

Esse precedente representa um alívio para empresas de transporte coletivo urbano, já que reconhece que, quando o acúmulo de função é compatível e habitual, sem aumento relevante de responsabilidade ou complexidade, não há acréscimo devido.

Mas atenção: isso não significa que qualquer acúmulo seja permitido. É preciso que a prática esteja expressa no contrato de trabalho ou respaldada por norma coletiva, e que não haja prejuízo ou aumento relevante da carga de trabalho.

Conclusão: O Preço da Omissão é Alto. Prevenir é Mais Barato.

No atual cenário trabalhista brasileiro, a informalidade nas relações de trabalho deixou de ser uma prática tolerável para se tornar um risco empresarial inaceitável. Empresas que investem na correta gestão de cargos e funções não apenas se protegem contra passivos trabalhistas, como também criam ambientes organizacionais mais transparentes e produtivos.

A escolha é clara: ou as empresas se adaptam a essa nova realidade trabalhista, ou pagarão caro – muito caro – pela manutenção de práticas ultrapassadas. A hora de agir é agora, antes que seu caso se transforme em mais uma estatística nos tribunais trabalhistas.

Por isso, não espere o problema virar processo.

A adoção de um Plano de Cargos e Salários bem estruturado é mais do que uma ferramenta de gestão — é um escudo jurídico contra passivos silenciosos e uma ponte para uma cultura organizacional mais transparente, segura e produtiva.

Se sua empresa ainda não conta com uma assessoria trabalhista preventiva, este é o momento de agir.

Conte com orientação jurídica especializada para estruturar seu PCS, revisar os contratos, prevenir litígios e garantir segurança para você e seus colaboradores.

Sebastião Barbosa Gomes Neto — OAB/GO 50.000
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás
Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET/GO
Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC/MG
sebastiaogomesneto.adv.br

Foto: Arquivo Pessoal
Jornalismo Portal Pn7

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