Enfim a chuva está chegando no cerrado goiano, após um longo e triste período de seca e incontáveis queimadas. Estas atingiram tanto áreas produtivas quanto zonas de interesse ecológico, afetando a todos nós, com prejuízos à saúde da população, ao bolso do lavrador e à biodiversidade. De todo modo, não se pode esquecer que a chuva significa esperança, traz a água que Deus manda, sem a qual não há vida.
Juntamente com esse retorno festejado, eis que se depara com uma outra boa notícia, veiculada pelo site da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Goiás – SECIMA. No último dia 20 de setembro, foram assinados os primeiros contratos do programa “Produtor de Águas”, envolvendo lavradores situados na Bacia do Ribeirão João Leite, localizada entre Goiânia e Anápolis, responsável por boa parte do abastecimento hídrico da capital.
Mas, como assim, “produtor de água”?! Afinal, esta não seria apenas uma dádiva divina que cai do céu e brota do chão? Sem dúvida! No entanto, aqueles produtores rurais que adotarem práticas e manejos conservacionistas do solo e dos recursos hídricos que banham suas glebas, acabam contribuindo para aumentar o nível de recarga fluvial dos leitos, mananciais e lençóis freáticos. Com isso, acabam “produzindo” mais água, já que aumentam a vazão dos córregos e rios, ao invés de deixá-la ir embora por meio da evaporação ou infiltração estéril no solo degradado.
Os benefícios resultantes dessas práticas ecologicamente inteligentes ultrapassam as pequenas divisas das terras particulares, pois, proporcionam ganhos à bacia hidrográfica inteira e, por consequência, a todos os usuários que a margeiam ou que dela retiram o líquido incolor. É como se cada um estivesse prestando um serviço ao meio ambiente e, de forma reflexa, trabalhando para toda sociedade, dona por excelência deste “bem de uso comum do povo”.
O programa “Produtor de Águas” busca incentivar aquelas práticas através de um instrumento de política ambiental conhecido como Pagamento por Serviços Ambientais – PSA, previsto no art. 41, I, do Código Florestal. Como funciona? Simples. O Estado apoia, acompanha de perto, presta assistência técnica, certifica e mede os resultados de projetos que combatam o assoreamento de corpos hídricos e a erosão de suas margens, como, por exemplo, o reordenamento de estradas, a recuperação/proteção de nascentes, reflorestamento, a construção de terraços e de bacias de infiltração.
Em contrapartida, o produtor é remunerado financeiramente, na proporção dos benefícios gerados, através dos recursos do Fundo de Meio Ambiente, por exemplo. Vale lembrar que antes desse mecanismo compensatório surgir, o produtor consciente que ajudava o meio ambiente, nada recebia por isso. Daí, a justiça inerente ao PSA em recompensar aqueles custos que, anteriormente, só recaiam sobre ele. Agora, sob essa nova visão, receberá pela manutenção e otimização dos serviços ecossistêmicos. O agropecuarista continuará produzindo alimentos, ao mesmo tempo, em que auxiliará no ciclo hidrológico.
Na cidade vizinha de Rio Verde já existe a Lei n. 6.033/2011, implementando a nível municipal o programa “Produtor de Águas”, o qual já obteve resultados positivos na Microbacia do Ribeirão das Abóboras (http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11860). Em Jataí, tem-se notícia recente de que o vereador Mauro Bento Filho propôs ao Executivo Municipal a criação do referido programa por aqui.
Em paráfrase a Declaração Universal dos Direitos da Água, pode-se dizer que ela é a seiva do nosso planeta. Não é somente uma herança de nossos predecessores. É, acima de tudo, um empréstimo que tomamos de nossos sucessores. Todos possuem a obrigação moral e jurídica em protegê-la, para as presentes e futuras gerações. O PSA pode se tornar uma importante ferramenta nessa missão, contribuindo, quem sabe, até para as próximas chuvas.
Álvaro Santos – OAB/GO 39.413
alvarosantos01@gmail.com
Bacharel pela UFG – Campus Jataí – GO
Advogado com atuação em Agronegócio, Meio Ambiente e Tributação Rural.
Especialista em Processo Civil e em Direito Ambiental pela UFPR.
Pós-graduando em Direito Tributário pelo IBET.
Jornalismo Portal Panorama
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A ideia é interessantíssima, mas deve ser dito que a falta de água se deve principalmente devido ao mal uso da terra pelos agricultores. Deve haver uma cobrança para que eles façam o uso racional dela. O texto não coloca isso de forma clara. A população em geral consome menos de 8% da água no Brasil, enquanto a agricultura responde por cerca de 70%. Isso sem contar que é o uso indiscriminado do solo e a invasão de áreas de preservação ambiental que está causando a seca da maioria dos rios do país.
Caro Tiago, antes de tudo, agradeço pela sua contribuição à essa discussão saudável, trazendo seu ponto de vista, inclusive, admirando a ideia inerente ao PSA, objeto central do artigo que me propus a escrever. A partir de um recorte metodológico, esse foi o tema delimitado para a pesquisa e redação, sem se alongar muito, dado o caráter informativo da coluna. Por isso, trazer outro assunto, como a cobrança pelo uso da água, seria extrapolar aquela delimitação, sem prejuízo de ser abordado futuramente. Assim, não há falar-se em falta de “clareza” do texto. Isso se chama delimitação do tema. Aliás, quero deixar claro que não me oponho a cobrança pelo uso da água, em todas as suas formas de utilização, como instrumento de racionalização.
Em relação aos “dados” referidos no seu comentário, confesso que pesquisei bastante e não encontrei a fonte da qual foram extraídos. De todo modo, acessei um vídeo da Agência Nacional de Águas (https://youtu.be/ATy335tjlIM), abordando o PSA, no qual os dados discrepam bastante daqueles apresentados em seu comentário. Nele, o uso da água no Brasil é dividido na seguinte proporção: 17 % urbano; 22 % industrial; 61 % agropecuária. Tais números demonstram que boa parte da nossa água é utilizada nos centros urbanos, os quais, segundo dados da Embrapa, ocupam apenas uma pequena fatia do território brasileiro, na ordem de 0,63% para ser mais exato (http://www.geodireito.com/noticias/embrapa-84-3-dos-brasileiros-vivem-em-menos-de-1-do-territorio-nacional). É normal a maior área do território demandar mais água.
É claro que aquela que bebemos insere-se nesse percentual, da mesma forma que a utilizada como insumo no processo de produção de alimentos também ou nos incontáveis processos industriais. Todas as finalidades são imprescindíveis a sobrevivência humana. A maioria dos produtores sabe da importância da água e zela por ela. Não podemos generalizar toda a classe. É como se admitíssemos que todo advogado é malandro. Ou que todo professor universitário é preguiçoso. Os justos não podem pagar pelos ímpios que, nesses casos, certamente são minorias. Da mesma forma, o produtor rural inconsciente.
O problema do déficit hídrico é multifatorial. Primeiramente, todo aumento populacional exige maior quantidade de água para o abastecimento, direto ou indireto (alimentos, por exemplo). A falta de gestão dos recursos hídricos ou sua ineficiência, sem dúvida, é outro fator que precisa ser combatido. Aqueles que usam indiscriminadamente o solo e não respeitam áreas de proteção permanente também contribuem para o problema. Mas, não são todos os produtores que agem dessa forma. A propósito, os dados preliminares do CAR estão aí para demonstrar justamente o contrário, já que o produtor protege bem mais do que o próprio Estado (https://panorama.not.br/66289/car-o-produtor-rural-produz-e-preserva/).
Em comparação com os demais países do Mundo, o Brasil é o que mais protege suas floretas, sob a batuta de uma das legislações ambientais mais avançadas, conforme prévia do estudo do Climate Policy Initiative, que será lançado em Brasília na próxima quarta-feira(http://mailchi.mp/cc6d4acc2a02/brasil-possui-uma-das-legislaes-florestais-mais-rgidas-entre-pases-exportadores-agropecurios-mostra-novo-estudo-444755?e=30808c1470).
Enfim, só quero dizer muito obrigado pela oportunidade do debate; que prometo publicar, em breve, um artigo sobre a cobrança do uso da água e, finalmente, que não podemos generalizar todos os produtores, muito menos lhes atribuir essa conta. Ano passado choveu bem, tivemos recorde de produção, de exportações, os alimentos contiveram a inflação, o setor foi o que mais empregou, e poucos agradeceram. Agora, a chuva demora um pouco mais, talvez por razões climáticas, e já atiram a primeira pedra. Não é bem assim!