A cada dez vagas ofertadas nas instituições públicas de ensino superior em 2022, quatro ficaram ociosas em Goiás. Ao longo do processo seletivo, cada uma das 29,8 mil vagas tiveram em média 3,62 candidatos. Entretanto, apenas 17,6 mil, ou 59%, foram preenchidas. Especialistas e gestores apontam que a situação ocorre diante da limitação nas formas de ingresso, expansão da educação a distância (EaD), e desvalorização do ensino superior.
Levantamento do portal mostra que, em Goiás, dos cursos com mais de 500 vagas ofertadas no último ano, Química licenciatura, Engenharia Civil, Matemática licenciatura, Direito e Educação Física tiveram os menores porcentuais de preenchimento. Os dados são do Censo da Educação Superior 2022, produzido anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), e divulgado no dia 10 de outubro.
Já dentre os cursos com menor ociosidade, estão Medicina, Medicina Veterinária, Enfermagem, Agronomia e Pedagogia. As vagas são ofertadas em 42 dos 246 municípios goianos, a grande maioria pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal de Catalão (UFCat), Universidade Federal de Jataí (UFJ), Universidade Estadual de Goiás (UEG), Instituto Federal Goiano (IFGoiano) e Instituto Federal de Goiás (IFG).
As universidades são as instituições que mais oferecem vagas na rede pública: das 29,8 mil, foram 17,3 mil ofertadas nas unidades, o que representa 58%. Também é a que possui mais quantitativo de novos ingressos: 72% dos novos alunos ocupam vagas em universidades. Pró-reitor de graduação da UFG, Israel Trindade explica que a instituição tem buscado, desde a pandemia da Covid-19, retomar a taxa mais alta de preenchimento das vagas.
Antes do período pandêmico, deflagrado no Brasil no início de 2020, a universidade mantinha em torno de 90% a taxa de ocupação das novas oportunidades de ingresso. Com a restrição e isolamento social, o preenchimento oscilou entre 80% a 85% até 2022. Neste ano, entretanto, a universidade conseguiu retomar o porcentual verificado anteriormente, de 90%. “Estamos em fase de recuperação no preenchimento (das vagas)”, pontua Trindade.
Conforme o gestor, “as vagas no primeiro momento são preenchidas, mas o problema é no momento da matrícula”. A exemplo, Trindade cita os casos de estudantes cotistas que são aprovados no Sistema de Seleção Unificada (SiSu) mas, posteriormente, são reprovados nas comissões de heteroidentificação, de saúde, ou mesmo com a documentação para as vagas de baixa renda. “Às vezes ele não tem características para a vaga. E se ele não for aprovado, a vaga não é preenchida”, explica.
Outro ponto elencado é o formato do processo seletivo que, na rede pública, é majoritariamente feito pelo SiSu. O sistema permite que alunos que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) à inscrição possam disputar uma vaga em instituições de ensino superior de todo o Brasil. Para ele, há a necessidade de expandir o formato de funcionamento do método de ingresso.
“Quase a metade dos alunos não fazem o Enem. Se (ele) tenta entrar e não consegue, tem de fazer o Enem de novo, ou então não tem como ingressar na universidade pública. A grande maioria já fica fora”, explica ele. E acrescenta: “Temos de ampliar as formas de acesso à universidade. Quem sabe considerar não só o Enem do ano passado mas de anos anteriores.”
Para o doutor em Educação e docente da Faculdade de Educação da UFG, Nelson Amaral, a ociosidade tem vários fatores “Primeiro, vivemos um período governamental recente de negacionismo da ciência que coincidiu com uma pandemia provocada por um vírus que vitimou, com morte, um número muito grande de famílias. Esses dois fatos provocaram um distanciamento dos jovens de seus sonhos relativos à realização de uma graduação”, pontua.
O professor acrescenta ainda que houve uma redução no poder aquisitivo das famílias brasileiras, “o que levou muitos jovens a entrarem precocemente no mundo do trabalho para ajudar suas famílias”. Além disso, pontua que há um “equívoco de análise sobre a gratuidade nas instituições públicas”, visto que, mesmo sem mensalidade, há a necessidade de recursos financeiros para o transporte, alimentação, materiais didáticos, dentre outros.
“Por outro lado, as instituições tiveram os orçamentos estrangulados, o que reduziu drasticamente as condições para implementarem programas de bolsas e apoio à permanência dos estudantes. E, por último, um país com economia estagnada não apresenta estímulo para que o percurso árduo de uma graduação se efetive”, conclui.
Para o professor em Educação da UFG e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Renato Barros, a ociosidade de vagas nas instituições públicas tem relação com a desvalorização e desestímulo ao ensino superior. “Um segundo fator é o estímulo à EaD nas instituições privadas de ensino. As vagas públicas acabam ficando ociosas porque esse mercado de EaD (com formação) mais aligeirada provoca isso”, pontua.
O portal mostrou no dia 13 de outubro que 70% dos alunos que ingressaram na rede privada de ensino superior estavam em cursos de EaD. A modalidade de ensino é principalmente ofertada na rede privada. As vagas públicas são, na grande maioria, abertas através de edital do programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), mas não há periodicidade de abertura definida.
“O grave problema (da ociosidade) é a ideia que se cria de que se está sobrando vagas nas instituições públicas. Cria o imaginário que está sobrando vagas e que não precisa dessas universidades, só que a ciência é construída nas universidades públicas”, acrescenta Barros. Ele pontua ainda que “as políticas públicas nos últimos seis anos não foram políticas que estimularam (o acesso ao ensino superior).”
Rede privada
Em Goiás, o porcentual de preenchimento das vagas na rede privada é ainda menor: 25,33% ocupadas e 74,67% ociosas. No estado, as instituições privadas ofertaram 159,3 mil oportunidades, com 170,8 mil candidatos, uma média de 1,07 alunos por vaga. Entretanto, foram apenas 40,3 mil ingressos.
Conforme o docente da UFG Nelson Amaral, os fatores listados se amplificam nas instituições privadas diante do pagamento de uma mensalidade “e pela ausência, em muitas instituições, das condições mínimas para uma formação em nível superior com qualidade.” A exemplo, as bolsas e financiamento estudantil. “Existe, sim, uma oferta além do que se espera na demanda”, finaliza.
Taxa de ocupação na rede pública do Brasil é de 60%
Em todo o Brasil, a ociosidade alcança 40% das vagas ofertadas na rede pública de ensino superior. Das 762,7 mil oportunidades presenciais abertas para ingresso nas instituições públicas, apenas 457,4 mil foram preenchidas. No entanto, a média de candidatos é ainda maior que em Goiás: 5,21 alunos por vaga.
Os dados do Censo da Educação Superior 2022 mostram que, em âmbito nacional, as redes de ensino estaduais são as que mais preenchem vagas nos processos de seleção de novos alunos: 75,2% de ocupação. As instituições federais possuem média pouco menor: 73,6%.
Durante a apresentação da pesquisa anual realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no dia 10 de outubro, foram elencados cursos com maiores taxas de ocupação nas vagas. Dentre eles, Medicina (95%), Medicina Veterinária (88,9%), Odontologia (84,3%), Direito (79,3%) e Administração (74,7%). Já os cursos de Química licenciatura e Física licenciatura foram pontuados como aqueles com taxas menores de ingressantes: 53,6% e 50,2%, respectivamente. “Para resolver essa questão (da licenciatura), não basta apenas aumentar o número vagas. Precisa criar mecanismos de atratividade para esses estudantes ingressarem nas áreas onde há necessidade de formação”, afirmou na ocasião o diretor de Estatísticas Educacionais do Inep, Carlos Eduardo Moreno.
A situação na rede privada é ainda mais dramática: apenas 24,5% das vagas são preenchidas, o que corresponde a um índice de 75,5% de ociosidade. No País, foram 4,89 milhões de oportunidades abertas, mas apenas 1,19 milhão de ingressantes. O total de candidatos foi ainda menor que as vagas abertas: 4,83 milhões de estudantes se inscreveram nos processos seletivos.
Por Gabriella Braga
Foto: Vânia Santana – Portal Panorama
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