35 anos depois: o Código de Defesa do Consumidor ainda protege ou deixou o brasileiro refém das dívidas?

35 anos depois: o Código de Defesa do Consumidor ainda protege ou deixou o brasileiro refém das dívidas?

Dr. Mauro Sérgio Mota de Souza
Advogado – Especialista em Direito do Consumidor
Ex – Diretor do Procon – Jataí

Em 1990, o Brasil escrevia um dos capítulos mais brilhantes de sua história legislativa. Nascia o Código de Defesa do Consumidor, uma lei moderna, admirada no mundo inteiro, que prometia trazer equilíbrio, dignidade e justiça às relações de consumo. Era o símbolo de uma nova era, em que o consumidor, antes invisível, finalmente teria voz e proteção. 

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Trinta e cinco anos se passaram. E a pergunta que ecoa é direta: o que temos de fato a comemorar? 

A pandemia escancarou a fragilidade das relações de consumo. Milhões de brasileiros foram levados às compras digitais e ao crédito instantâneo sem preparo adequado, sem educação financeira e sem consciência crítica. Golpes multiplicaram-se, o comércio eletrônico de má-fé floresceu e o crédito fácil virou a isca perfeita. Quando a sociedade ainda tentava se reerguer, vieram as apostas esportivas e os jogos online, vendendo a ilusão de enriquecimento rápido, mas entregando frustração e dívidas. 

O retrato atual é preocupante: o Brasil vive o maior endividamento de sua história. Famílias comprometem grande parte de sua renda com juros e encargos. Idosos e vulneráveis, alvo frequente do assédio de bancos e financeiras, muitas vezes são enganados e empurrados para dívidas impagáveis. Mas é preciso reconhecer: em boa parte dos casos, o consumidor não é apenas vítima, mas protagonista de escolhas inconsequentes, movidas pelo imediatismo, pelo desejo de consumo e pela ausência de planejamento. 

A Lei do Superendividamento, aprovada em 2021, nasceu como esperança. Criou mecanismos de renegociação, falou em mínimo existencial, trouxe instrumentos para proteger o cidadão. Mas ainda não encontrou efetividade porque o Estado falhou em estruturar núcleos de atendimento, em promover educação financeira e em orientar a sociedade sobre crédito responsável. A lei sozinha não resolve. Ela depende da atuação estatal, mas também da responsabilidade individual do consumidor diante de suas decisões. 

Enquanto isso, instituições financeiras continuam a lucrar com o marketing agressivo e predatório. “Dinheiro na hora”, “crédito pré-aprovado”, “sem consulta”. O apelo ao consumo imediato funciona porque encontra terreno fértil em quem deseja soluções fáceis sem avaliar consequências. É um jogo desigual: de um lado, empresas poderosas com técnicas sofisticadas de persuasão; do outro, consumidores que precisam aprender a dizer “não”. 

O Código de Defesa do Consumidor foi revolucionário. Mas um código, por si só, não muda realidades. Hoje, é preciso resgatar o espírito de proteção aos vulneráveis, sem transformar todo consumidor em vítima passiva. O cidadão precisa assumir também o papel de agente responsável, consciente de suas escolhas, exigente em relação à informação e firme no planejamento financeiro. 

O aniversário do CDC e o Dia do Cliente não devem ser apenas datas comemorativas. Precisam ser um convite à reflexão madura: direitos existem, mas não eximem o dever de prudência. O Brasil precisa decidir se continuará alimentando o ciclo do endividamento fácil ou se vai transformar o consumo em instrumento de dignidade. 

Porque, no fim das contas, não se trata apenas de proteger o consumidor, mas de ensinar o consumidor a proteger-se das armadilhas de um mercado cada vez mais sedutor. 

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Redação Portal PaNoRaMa

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