Pré-candidata ao governo, Helga Martins diz que trabalhador não se beneficia em nada do agronegócio

Professora das universidades federais de Jataí e de Goiás, Helga Martins critica os incentivos dados ao agronegócio (Foto: Fábio Lima)

Professora de Direito da UFJ e pré-candidata ao governo de Goiás pelo PCB afirma que País precisa repensar o modelo atual de incentivos à agropecuária.

“Se temos um modelo de economia tão bom, porque temos mais de 40 milhões de brasileiros passando fome ou em insegurança alimentar?”. A pergunta é de Helga Martins, pré-candidata ao governo de Goiás pelo PCB. Professora das universidades federais de Jataí e de Goiás, nesta entrevista ao POPULAR, ela critica os incentivos dados ao agronegócio, defende prioridade na educação e comenta o baixo desempenho eleitoral de partidos de esquerda.

A sra. faz críticas ao agronegócio, que em Goiás teve R$ 102,2 bilhões de Valor Bruto de Produção (VBP) em 2021. Caso eleita, o que pretende e pode, legalmente, fazer em relação a esse setor da economia?

Temos um País marcado pela desigualdade social profunda, inclusive na distribuição do espaço, com grandes propriedades de terra na mão de pouquíssimas pessoas, e uma produção focada em monocultura para exportação e para produção das chamadas commodities; nos últimos anos, a monocultura de grãos. Isso significa que temos uma economia que se centraliza na exportação de bens primários, na dependência de tecnologias externas e num processo profundo de desigualdade social, de fome e de miséria. Do que nós trabalhadores nos beneficiamos desse agronegócio? Nada. O agronegócio envenena a terra e os lençóis freáticos, ele utiliza agrotóxicos. Nos últimos anos, tivemos uma liberação absurda de agrotóxicos, inclusive alguns proibidos há anos na Europa e nos Estados Unidos. Aqui está tudo liberado. Isso tem impacto na nossa saúde, na dimensão produtiva. Então, o agronegócio movimenta a economia para quem? Se temos um modelo de economia tão bom, porque temos mais de 40 milhões de brasileiros passando fome ou em insegurança alimentar? Por que temos famílias que hoje lutam numa fila para conseguir ossos, porque não têm o que comer? Por que temos 22 milhões de desempregados? Não adianta atrelar a responsabilidade desse processo às contingências externas, porque isso também é fruto de escolhas internas, inclusive, em relação a qual é o modelo agrário, ambiental e econômico que nós optamos e fomentamos.

Mas o que pode ser feito em âmbito estadual?

A gente pode entender as possibilidades de construção de modelos, por exemplo, como cooperativas, fomento à agricultura familiar e construir políticas públicas junto aos movimentos sociais populares. E, com isso, tensionar no âmbito, não só estadual, mas federal, as possibilidades de alteração desse modelo, porque isso se constrói do movimento de organização da nossa classe para cima, e não de cima para baixo. Já tivemos, em tantos outros momentos históricos, a construção de ideias e práticas concretas que reverberaram em possibilidades de uma reforma agrária radical. Que isso seja construído de baixo para cima.

A sra. também tem debatido a educação. Existe previsão de concurso público para 5 mil vagas na educação estadual. Relatório do Observatório do Estado Social Brasileiro, porém, aponta déficit de 10 mil professores. É possível suprir a demanda, levando em consideração os limites legais, por exemplo, de gasto com pessoal?

A questão é quais são as prioridades. Temos contratos (de professores temporários) vigentes no estado que acarretam gastos também. Esses contratos são precários à medida que são trabalhadores que não têm garantia de estabilidade, não têm plano de carreira, nada disso. Um concurso para 5 mil vagas, sendo que há déficit concreto de mais de 10 mil, é algo a ser questionado. Por que não fazer um concurso público com o número de vagas do déficit real que se tem? Por que essa pauta não é prioritária há mais de 10 anos no estado? Por que se prioriza uma contratação a título precário e não a destinação de recursos públicos dentro da compreensão orçamentária, de um planejamento, que foque na realização de concursos públicos? Não basta ter uma retórica de priorização da educação e da saúde, quando, efetivamente, o que se faz é precarizar, seja por meio de contratos temporários, seja por meio da privatização, de encaminhamento de gestão para as organizações sociais.

Boa parte dos partidos que se declaram de esquerda e centro-esquerda devem se unir em Goiás, visando as eleições deste ano. É o caso de PT, PCdoB, PV e PSB. O PCB mantém diálogo com essas siglas?

O PCB já lançou a nossa pré-candidata à presidência da República, a professora Sofia Manzano, da Bahia, e temos pré-candidaturas ao governo em alguns estados: Minas Gerais, Paraná, São Paulo, Pernambuco e Goiás. A gente acredita, principalmente, que a centralidade da luta hoje é a defesa de um projeto que parta da classe trabalhadora, com a classe trabalhadora e para a classe trabalhadora. Sem ilusões. Vencer o conservadorismo à direita, o fascismo, pressupõe unidade na luta, mas essa unidade tem que ter como base alguns princípios fundamentais e uma pauta central, que tem que ter como prioridade a revogação das contrarreformas trabalhista e previdenciária. Como a gente vai lidar com esse cenário tão profundo de fome, de miséria, de desemprego, sem trabalharmos com a revogação de contrarreformas que retiraram direitos sociais fundamentais? Fora isso, a unidade tem também que ser alicerçada numa coerência histórica. Vivenciamos, muito recentemente, um golpe e pressupor, agora, aliança com setores golpistas é muito complicado.

A presidente do PSOL, Cíntia Dias, disse ao portal que buscaria diálogo com alguns partidos visando aliança, entre eles, o PCB. Como está essa conversa?

Estamos em diálogo com PSOL e UP (Unidade Popular), e pretendemos ampliar essa conversa cada vez mais, tendo no horizonte a reorganização da nossa classe e uma luta concreta de combate ao desemprego, à fome e à miséria. Temos que ter em mente que isso só se sustenta, se a gente tiver um programa que independa de figuras salvadoras e que se alicerce em políticas concretas. Isso é fundamental. Por isso, esse diálogo está sempre aberto e é, inclusive, muito necessário, para construção de um programa anticapitalista e que tenha como base também o combate às opressões.

Essa conversa com o PSOL pode resultar em aliança para as eleições deste ano?

Pode, mas hoje o que nós temos é um encaminhamento de realização de formações, de seminários, que tragam quais são os pontos centrais de um programa que realmente atenda às necessidades da classe trabalhadora. Como avançar em uma política a longo prazo de combate ao desemprego, à fome e a ações que esvaziam a autonomia e a independência do trabalhador. Existem trabalhadores que, às vezes, não estão desempregados, mas que fazem vários bicos e veem seu poder de compra diminuir cada vez mais. Para esse trabalhador e trabalhadora, mulheres que realizam atividades que não são reconhecidas e não são remuneradas, para essas pessoas, precisa existir um caminho concreto. Aí é pensar numa política de combate ao desemprego que se alicerce na soberania alimentar, no fomento à agricultura familiar, numa reforma agrária radical.

O PCB teve candidato a governador nas últimas três eleições, mas não chegou a 1% dos votos válidos em nenhuma delas. A que a sra. atribui essa baixa capilaridade eleitoral?

O PCB é um partido que completa 100 anos neste ano, historicamente atrelado à luta dos trabalhadores, mas vivemos num sistema eleitoral que é moldado de acordo com os interesses específicos de classes que têm domínio econômico e político. As eleições existem dentro de uma ordem, da qual estamos fora por várias razões. E aí temos dificuldade, por exemplo, de acesso a meios de comunicação hegemônicos e a espaços nos quais devemos e queremos fazer o debate. Já tivemos outras candidaturas e eu, agora, assumo essa tarefa em 2022 muito na perspectiva de ser o rosto e a voz dessa memória e dessa necessidade de seguir em frente. E vejam que somos a única pré-candidata em Goiás, o que também diz muito. Então, apesar de todos esses limites, nas próximas eleições, esperamos ter muito mais que os 0,22% (dos votos válidos em 2018), principalmente porque a gente vê no crescimento da juventude trabalhadora, na construção das lutas sociais ampliadas, uma possibilidade de avançarmos. Entendemos que a nossa pré-candidatura é aquela que mais dialoga efetivamente com o campo que exige uma transformação da realidade, com uma pauta concreta.

Fonte: O Popular
Foto: Fábio Lima
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