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Dermatite atópica é uma doença de pele que afeta a saúde física, mental e até o sono da criança e da família...

“Confesso, estou cansada, desanimada, desesperada, praticamente falida e sem nenhuma esperança.” Foi com essas palavras que Fernanda Purificação, 44, terminou seu desabafo em um grupo no Facebook voltado a cuidadores de crianças com dermatite atópica.

A mãe de Maria Valentina, 9, já travava há cerca de sete anos uma batalha para controlar a doença da filha. Durante as piores crises, a coceira da menina era tanta que as duas passavam madrugadas em claro. Quando “acordavam”, havia sangue e pedaços de pele no lençol e no pijama da criança.

O problema começou quando Valentina tinha poucos meses de vida. Primeiro, surgiram bolinhas vermelhas na barriguinha e na bochecha, perto da orelha. Quando a bebê “aprendeu” a se coçar, as feridas na pele foram piorando.

Rapidamente a pediatra identificou se tratar de uma dermatite atópica, doença que afeta até 20% das crianças em todo o mundo. Em casos graves, como o de Valentina, o problema provoca grande irritação e feridas na pele, abalando o sono, a saúde física e mental do paciente e de todos que estão ao seu redor.

Apesar de a mãe, especialista em sexualidade e estudante de psicologia em Florianópolis (SC), seguir todas as recomendações da médica —dar banho na filha com água morna e xampu neutro, passar pomada com corticoide, usar creme hidratante, trocar o amaciante etc.—, as lesões na pele só aumentavam e logo se espalharam pelo corpo todo.

“Eu fazia tudo o que a médica orientava, tentava e testava de tudo, mas não sentia melhora”, lembra Fernanda.

O que é dermatite atópica

A dermatite atópica é uma doença inflamatória da pele. Crônica, não contagiosa e recorrente, ela incide, principalmente, em indivíduos com histórico de rinite alérgica, asma ou outras dermatites. O problema é mais comum em crianças e, na maioria dos casos, aparece até o primeiro ano de vida, mas também pode surgir na adolescência e vida adulta.

“Várias causas favorecem o seu desenvolvimento: genética, ambiente, alterações na barreira cutânea e nas respostas imunológicas”, explica Evandro Alves do Prado, coordenador do Departamento Científico de Dermatite Atópica.

Os principais sintomas são o ressecamento da pele e a coceira, que pode ser tão intensa a ponto de ser incontrolável e gerar um ciclo de irritação-coceira-irritação-coceira…, em que as escoriações chegam a causar feridas e sangramento.

As lesões se apresentam em forma de bolinhas avermelhadas, bolinhas com água, crostas, acentuação dos sulcos da pele, espessamento da pele e podem descamar. Em bebês e crianças pequenas, costumam aparecer no couro cabeludo, bochechas e pescoço. Em crianças maiores, adolescentes e adultos, as lesões tendem a ser mais secas e localizadas em áreas como as dobras dos cotovelos e atrás dos joelhos. “No entanto, há pacientes que podem ter lesões em qualquer área da pele”, diz a dermatologista Alexandra Pedra e Cal.

‘Não dormíamos, parecíamos duas zumbis’

Morando sozinha com a filha e adepta da cama compartilhada, Fernanda diz que as maiores dificuldades surgiam na hora de dormir —principalmente na pior fase da doença, quando Valentina tinha entre 4 e 7 anos.

“Ela se coçava a noite inteira. Só conseguíamos dormir por volta das 4h da madrugada. Eu segurava a mão dela pedindo para ela parar de se coçar, mas ela dizia que não conseguia e continuava. Eu perdia a paciência e me sentia um monstro.”

A menina se coçava tanto que amanhecia toda machucada, com o pijama e o lençol cheios de sangue e com muitos pedaços de pele. “Depois, durante o dia parecíamos duas zumbis, mortas-vivas de cansaço.”

Mesmo quando a cama não é compartilhada, é comum que os pais acordem à noite ou não consigam dormir com o barulho e sofrimento dos filhos se coçando. Isso gera angústia e desgaste na rotina da família. “Os cuidadores ficam sem saber como agir e tentam conter as crianças para que não se machuquem. Nem o paciente com dermatite nem os pais conseguem ter uma noite de sono reparadora”, comenta Pedra e Cal.

Por que a coceira piora à noite?

O médico Samuel Henrique Mandelbaum, dermatologista pela SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia) e professor de dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Taubaté afirma que não há comprovação exata do porquê de a coceira provocada pela dermatite atópica ser pior à noite. Uma das teorias é que o problema ocorre pois fatores anti-inflamatórios (protetores do nosso organismo) são produzidos em maior quantidade durante o dia e há uma diminuição do seu nível à noite, quando aumentam os fatores pró-inflamatórios no corpo.

Especialistas acreditam que esse mecanismo possa fazer a coceira piorar no período noturno e perturbar a qualidade do sono. Aí, a privação do sono aumenta a inflamação, dando origem a um círculo vicioso.

O fato é que distúrbios do sono nos pacientes com dermatite atópica são muito frequentes, principalmente nos casos mais graves. E as noites mal dormidas interferem diretamente na qualidade de vida da criança e de seus cuidadores —pais, avós, irmãos mais velhos etc.

Uma pesquisa realizada pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) com 101 crianças com dermatite atópica e seus cuidadores, por exemplo, mostra que, quanto mais grave a doença, pior a qualidade de vida dos pacientes e de sua família.

No caso dos cuidadores, os maiores problemas gerados pela doença são o gasto com o tratamento, os distúrbios no sono e o cansaço e exaustão. Nas crianças, obviamente, os principais problemas apresentados são coceira e dor, mas a dificuldade para dormir e alterações no humor também foram relatadas.

Os impactos da dermatite no sono

Quantos sofrem o problema

47% a 60% das crianças com dermatite apresentam distúrbios do sono

Quanto mais coceira, pior

A dificuldade para dormir é mais evidente em pacientes com quadros graves de dermatite

Noites sem qualidade

A maioria dos pacientes não consegue chegar aos estágios mais profundos do sono e acorda facilmente. Isso faz com que a noite de descanso não seja suficiente para reparar o organismo

Cérebro prejudicado

Pessoas com dermatite atópica têm risco 2 vezes maior de apresentar dificuldade de concentração e 3 vezes maior de ter falhas na memória, já que dormir bem é essencial para o bom funcionamento da mente

Agravantes

As complicações do sono tendem a ser piores em pacientes com dermatite atópica que sofrem de asma ou rinite alérgica

Doença afeta rendimento escolar e no trabalho

Com o sono interrompido, é comum as crianças ficarem cansadas de dia e quererem dormir nesse período, muitas vezes não sendo capazes de ir à escola. Os pais, que assumem uma dupla jornada (cuidar do filho e trabalhar), também ficam exaustos.

Sonolência diurna, desatenção, dificuldade de concentração, irritabilidade, alterações de humor, sensação constante de fadiga e maior risco de acidentes são alguns dos impactos causados pelas noites em claro de quem tem ou cuida de alguém com dermatite atópica. E como as crises mais graves da doença podem se estender por semanas e meses, o desgaste físico e emocional afeta o trabalho e a vida social.

Foi o caso de Fernanda. Sem conseguir dormir, ela não tinha condições de ser funcionária de uma empresa em que precisava bater ponto e pediu demissão. Como os gastos com o tratamento da filha eram altos (chegavam a R$ 4 mil por mês) e ela não podia deixar de trabalhar, decidiu virar autônoma e vender roupas e cosméticos, pois assim tinha maior flexibilidade de horário.

A doença da filha ainda afetou o namoro de Fernanda. “Ele chegou a terminar comigo pois não conseguia dormir quando estava na minha casa (ou nós na dele), ficava estressado. Porém, depois de um tempo pediu para voltar e passou a nos apoiar.”

Dicas que ajudam a aliviar os sintomas da dermatite

Use roupas leves

Prefira tecidos com toque macio, como algodão. Roupas sintéticas e/ou muito coladas ao corpo (lycra, por exemplo) podem abafar a pele ou machucá-la por causa do atrito.

Faça exercícios

A prática de atividade física faz bem ao corpo e ajuda na saúde mental. Porém, como o suor pode irritar a pele e agravar a coceira, é importante treinar nos momentos mais frescos do dia (manhã ou à noite), usar roupas apropriadas e se exercitar ao ar livre ou em locais com ar-condicionado.

Incentive o contato com pets

Conviver com cães ajuda a melhorar a saúde mental da criança. Para evitar alergias, o ideal é que o cachorro tenha pelo curto e seja de pequeno porte –pois animais grandes podem machucar a pele da criança ao pular e brincar.

Estimule o cérebro

É importante envolver a criança em atividades e brincadeiras que estimulem o raciocínio, a memória, a coordenação motora e o aprendizado. Exemplo: jogos de memória e tabuleiro, caça-palavras, teatro de fantoches, contar histórias, desenhar e pintar.

‘Vivia no limite: me tornei estressada, intolerante e quase enlouqueci’

Quando Fernanda relatou seu desespero no Facebook, em setembro de 2019, Valentina estava na pior fase da doença, com o corpo todo cheio de feridas. A mãe já tinha tentado todos os tratamentos possíveis, levado a filha a mais de dez dermatologistas, testado inúmeras pomadas, medicações e até tratamentos alternativos, mas nada amenizou o quadro.

“Estava a ponto de enlouquecer, me tornei uma pessoa intolerante, impaciente, impulsiva. Vivia no limite, me sentia um lixo como mãe porque tentava de tudo e minha fila continuava sofrendo. Chegou um momento em que eu não pensava mais, só vivia no automático e torcia para que o dia de amanhã fosse menos pior do que o de hoje. Tinha crises de ansiedade e vivia acelerada.”

Com a saúde mental debilitada, ela passou a fazer terapia para lidar com a sensação de impotência e entrou para a faculdade de psicologia. “Comecei a estudar para tentar curar a minha dor e tentar entender a dor dos outros.”

Além disso, Fernanda contou com uma importante rede de apoio para superar as adversidades. “Minha mãe era muito presente e ajudava bastante. Uma vez por semana, comecei a sair com as minhas amigas para almoçar e depois jantava com meu namorado. Quanto sobrava um tempinho, ia correr para extravasar.”

Táticas que melhoram a saúde mental de cuidadores e pacientes

  • Conheça e aceite a doença. Isso ajuda a lidar melhor com os problemas
  • Livre-se da culpa! Evite se chatear por achar que está fazendo algo errado
  • Vocês são muito mais do que a doença: não resuma suas vidas à dermatite
  • Permita-se buscar metas, planejar o futuro e ter momentos de lazer
  • Faça exercícios! Eles aliviam o estresse, a ansiedade e a depressão
  • Nunca se isole ou se esconda do mundo (nem deixe a criança fazer isso)
  • Inspire-se com histórias de pessoas que vivem bem com uma doença crônica
  • Participe de grupos de apoio e busque ajuda de psicólogos e psiquiatras

‘Com paciência, tempo e orientação, as coisas se ajustam’

Após o desabafo no Facebook, Fernanda e Valentina ainda percorreram um longo caminho até o controle da doença: a consultora fez uma vaquinha virtual e arrecadou R$ 10 mil para levar a filha a São Paulo, em busca de mais um tratamento. Quando voltou a Florianópolis, Valentina teve uma crise de dermatite e ficou uma semana internada no hospital.

No começo de 2020, Valentina se adaptou a uma nova medicação e está em remissão da dermatite desde então, não apresenta mais lesões.

Nossa qualidade de vida melhorou muito: hoje conseguimos dormir a noite inteira e minha filha pode tomar banho de mar. Para algumas pessoas, essas coisas podem não ter tanta importância, mas para nós foram conquistas importantes

Como a dermatite atópica é uma doença complexa e multifatorial, o tratamento é baseado em cuidados gerais e uso de medicamentos para controlar os sintomas. Segundo Prado, nos casos mais graves podem ser indicados imunossupressores (que diminuem a irritação na pele ao reduzir a ação de células do sistema imunológico e de mediadores que provocam inflamação no organismo) e os imunobiológicos (remédios produzidos pela biologia celular de DNA humano, que inibem a ação de alguns mediadores inflamatórios específicos e não comprometem tanto o sistema imunológico).

Serena, mas ainda uma mãe vigilante, Fernanda diz que, com o controle da doença, voltou a pensar em si e a se cuidar. Aos pais e cuidadores de crianças com dermatite atópica, ela dá algumas dicas: “Mantenham a confiança em si e nos profissionais, acreditem na sua intuição, façam terapia se acharem necessário, não se culpem e tenham calma. O processo é desgastante, mas as coisas tendem a melhorar”.

Por Bárbara Therrie
Foto Capa: Divulgação
Jornalismo Portal Panorama
panorama.not.br

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