Venezuelanos na Sua Empresa: Como Contratar Legalmente, Registrar e Evitar Multas Milionárias

A chegada em massa de trabalhadores venezuelanos ao Brasil deixou de ser fato isolado para se tornar realidade diária em setores como serviços, agronegócio, construção, logística, hospitalidade e varejo. Muitas empresas querem contratar, mas esbarram em dúvidas: o documento apresentado está válido? Posso registrar com protocolo? Como funciona a Carteira de Trabalho digital para estrangeiro? E se o vínculo não for registrado — quais são os riscos?
Este guia reúne, em linguagem clara, o que o empregador precisa saber para contratar com segurança jurídica, evitar passivos e garantir igualdade de tratamento, conforme a legislação migratória e trabalhista brasileira.
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1. Antes de tudo: identifique a situação migratória do candidato
Todo o processo começa aqui. O status migratório determina quais documentos serão aceitos e que providências o RH deve tomar.
Há três vias principais que permitem trabalhar legalmente no Brasil:
Dica operacional: Muitos venezuelanos chegam por Roraima e já iniciaram acolhida humanitária, residência simplificada ou refúgio. Pergunte qual procedimento está em curso antes de solicitar novos documentos — isso evita retrabalho e perda de prazo.
2. Residência simplificada para venezuelanos (procedimento policial-federal)
Quando usar: O trabalhador já está no Brasil e busca regularizar-se por residência temporária concedida a nacionais de países fronteiriços sem acordo de residência Mercosul.
Como funciona (visão prática para RH ou assessor jurídico):
- Agendamento/atendimento na Polícia Federal com formulário eletrônico (código de residência temporária aplicável).
- Apresentação de documento de identidade ou passaporte (aceita-se vencido em situações específicas), dados civis e declaração de ausência de antecedentes recentes.
- Pagamento das taxas oficiais (GRU) de processamento e emissão da CRNM.
- Coleta biométrica e emissão do protocolo.
- CRNM emitida posteriormente; com ela, a admissão é plenamente regular (embora o protocolo já permita formalização provisória, ver seção Documentos).
Conversão para prazo indeterminado: Após atender requisitos de tempo de residência, antecedentes e meios de subsistência, é possível converter para residência de prazo indeterminado. Empresas devem acompanhar prazos para evitar ruptura documental.
Risco se ignorado: Empregar estrangeiro sem protocolo ou com prazo expirado pode gerar multa administrativa, questionamentos sobre validade do vínculo, responsabilização por contratação irregular e, em fiscalizações, autuações conjuntas trabalhistas e migratórias.
3. Solicitação de refúgio (via CONARE)
Quando usar: O trabalhador ingressou no Brasil em contexto de emergência, perseguição ou crise humanitária e registrou pedido de refúgio.
Documentos-chave: Cadastro no sistema de refúgio, atendimento na Polícia Federal e emissão do Protocolo de Solicitação de Refúgio (ou DPRNM). Esse protocolo funciona como documento de identidade provisório e permite:
- Solicitar CPF;
- Obter Carteira de Trabalho (CTPS Digital);
- Trabalhar formalmente enquanto o caso é analisado;
- Permanecer no país com proteção contra deportação durante o trâmite.
Risco se o empregador recusar contratar com base no protocolo: Configura potencial discriminação e empurra o trabalhador para informalidade. Em eventual ação judicial, a empresa pode ser condenada por vínculo não registrado, recolhimentos retroativos (FGTS/INSS) e danos morais.
4. Residência para fins laborais patrocinada pelo empregador
Quando usar: A contratação é a motivação para a vinda ao Brasil ou para regularizar quem já está aqui mas precisa de status migratório alinhado ao emprego.
Fluxo resumido:
- Cadastro do empregador (ou responsável) no sistema competente;
- Petição eletrônica com dados do cargo, contrato ou carta de oferta;
- Documentação societária e fiscal da empresa;
- Pagamento de taxas administrativas;
- Deferimento → emissão de CRNM;
- Registro e admissão formal.
Risco de admitir antes do deferimento: Contrato irregular, possibilidade de autuação, necessidade de regularização retroativa, pagamento de encargos e, em caso extremo, impedimentos futuros para novos pedidos migratórios patrocinados pela mesma empresa.
5. Documentos mínimos para admissão de trabalhador estrangeiro
Antes de lançar a admissão no eSocial, reúna e arquive (digitalizado e organizado):
- CRNM válida ou Protocolo da Polícia Federal ou Protocolo de Refúgio/DPRNM (aceita-se protocolo quando o documento definitivo está em processamento).
- CPF (fundamental porque a CTPS Digital usa o CPF como identificador).
- Documento de identidade com foto (passaporte, cédula venezuelana; em fluxos humanitários, documentos vencidos podem ser aceitos pela autoridade migratória, o que autoriza uso para cadastro interno).
- Comprovante de endereço no Brasil (necessário em diversos cadastros e para benefícios).
Armazene com controle de validade. Crie alerta interno para renovação (30 dias antes do vencimento do protocolo, por exemplo).
6. CTPS Digital para estrangeiros: o que muda (e o que não muda)
Hoje, quase toda anotação trabalhista no Brasil acontece de forma eletrônica. A CTPS Digital é ativada a partir do CPF do trabalhador. Para estrangeiros:
- Se houver inconsistência de dados, a autoridade laboral pode solicitar apresentação da CRNM ou do Protocolo PF.
- Em casos específicos, ainda se emite CTPS física, mas a regra é digital.
- As anotações contratuais (data de admissão, salário, função, alterações) são feitas pelos eventos do eSocial — e produzem os mesmos efeitos legais da anotação antiga em papel.
7. Registro do vínculo e obrigações regulares do empregador
Depois de validada a documentação migratória:
- Lance a admissão no eSocial dentro do prazo legal (evento S-2200 ou equivalente).
- Garanta registro completo de dados contratuais: salário, jornada, função, local de trabalho.
- Recolha mensalmente FGTS (integral, sem desconto do empregado) e INSS (parte patronal + desconto da parte devida pelo empregado).
- Aplique as mesmas regras de jornada, adicionais, segurança e saúde que valem para trabalhadores brasileiros. A legislação brasileira não permite tratamento inferior por ser imigrante ou refugiado.
- Guarde cópias dos documentos migratórios e controle de validade (renovações, troca de categoria, conversão para residência indeterminada).
8. Custos oficiais x riscos de fraude
Taxas para autorização de residência e emissão/renovação da CRNM são recolhidas por Guia de Recolhimento da União (GRU). Sempre use canais oficiais. Pagamentos paralelos, “facilitadores” ou atravessadores são sinais de fraude documental. Documento irregular invalida registros, compromete auditorias e pode gerar alegação de dolo do empregador.
9. Situações especiais que afetam documentação
Entrada durante restrições sanitárias: Pessoas que entraram em períodos de fronteira controlada podem ter recebido orientações administrativas diferenciadas; revise histórico para não perder prazos de regularização.
Interiorização de venezuelanos (Operação Acolhida): Programa federal que transfere migrantes de regiões de fronteira para estados que ofertam emprego. Se sua empresa tem alta demanda de mão de obra, considere parceria: candidatos chegam já documentados, vacinados e pré-triados socialmente.
10. Checklist rápido de compliance para o RH
- Antes da contratação: Confirmar status migratório; obter protocolo/CRNM; garantir CPF.
- Na admissão: Registrar no eSocial; arquivar cópias; conferir dados de folha.
- Após admissão: Monitorar depósitos de FGTS e contribuições previdenciárias; checar prazos de renovação de documentos; orientar o empregado sobre obrigações de atualização cadastral.
(Transformo este checklist em PDF ou planilha, se quiser.)
11. Riscos concretos de não conformidade
Risco trabalhista: Se o vínculo não é registrado, o trabalhador pode pleitear reconhecimento judicial, com condenação retroativa em salários, férias, 13º, FGTS, multas e adicionais. Como estrangeiros e refugiados têm os mesmos direitos, o argumento “não registrei porque não tinha documento” não se sustenta.
Risco migratório: Manter estrangeiro sem status válido pode gerar multa administrativa, notificação e complicar futuras autorizações de residência patrocinadas pela empresa.
Risco previdenciário e fiscal: Falta de recolhimento de INSS (mesmo com desconto feito em folha e não repassado) pode caracterizar infração grave, inclusive crime de apropriação indébita previdenciária.
Risco reputacional e ESG: Empresas flagradas explorando mão de obra migrante ou mantendo imigrantes sem direitos sofrem impacto em auditorias de fornecedores, certificações ESG, cadeias globais de compliance e reputação de marca empregadora.
12. Perguntas frequentes
Posso contratar alguém só com Protocolo de Refúgio? Sim. O protocolo assegura identidade provisória e direito ao trabalho. Formalize normalmente e acompanhe o processo.
A pessoa tem apenas o protocolo de residência (Portaria 19/2021) — posso registrar? Pode. Use o protocolo como documento até a emissão da CRNM, mantendo cópia e controle de vencimento.
Há obrigações extras para refugiados? Não. As regras trabalhistas são as mesmas. O que muda é o cuidado com renovação de documentos e acolhimento social.
E se o documento migratório vencer? Alerta o empregado, auxilie na renovação e mantenha intercâmbio com a assessoria jurídica. Trabalho prestado durante prazo vencido pode gerar passivos para ambos.
13. Política interna integrada: migratório + trabalhista + LGPD
Empresas que contratam imigrantes com frequência devem criar uma política formal que inclua:
- Fluxo padronizado de checagem documental;
- Registro de prazos de validade e alertas automáticos;
- Guarda segura de dados pessoais e cópias digitais (com aderência à LGPD);
- Orientações de igualdade salarial e de benefícios;
- Canal para dúvidas do empregado sobre renovação migratória;
- Interface com jurídico para atualização conforme novas portarias e alterações de lei.
14. Conclusão: contratar certo é vantagem competitiva
A contratação formal de trabalhadores venezuelanos não é apenas cumprimento legal — é oportunidade estratégica. Empresas que se organizam colhem mão de obra engajada, ampliam diversidade e fortalecem indicadores sociais. As que improvisam acumulam multas, passivos e desgaste reputacional.
Regularize, registre, acompanhe e trate com igualdade. Isso protege o trabalhador, o negócio e a marca.
Sebastião Barbosa Gomes Neto — OAB/GO 50.000
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás
Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET/GO
Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC/MG
Negociador
sebastiaogomesneto.adv.brhttp://sebastiaogomesneto.adv.br/
Foto: Arquivo Pessoal
Jornalismo Portal Pn7
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