A pandemia está tirando o sono dos brasileiros. Literalmente. Além de trocar a cama pelo computador ou pela televisão e se deitar mais tarde, as pessoas estão demorando mais para conseguir dormir e acordando diversas vezes durante a noite, desde que o coronavírus chegou ao país.
Esses são os dados preliminares de uma pesquisa realizada pelo Instituto do Sono e pela Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa (AFIP) sobre os efeitos do isolamento físico causados pela pandemia de Covid-19 no padrão de sono.
Das 1.600 pessoas de 24 estados que responderam questionários online (entre 5 de junho de 2020 a 19 de julho de 2020), 55,1% disseram que passaram a dormir mal nesse período.
As razões para essa percepção do sono ruim são as mudanças de rotina impostas pela pandemia e as preocupações derivadas dela, segundo Sergio Brasil Tufik, médico neurorradiologista e coordenador da pesquisa. “Muitos nem estão saindo de casa, perderam o emprego e a renda. Além disso, houve maior tempo de exposição às telas”, afirma.
Apesar de estarem dormindo mal, os brasileiros não estão dormindo menos horas. A pesquisa apontou uma média de 7 horas e oito minutos de sono. O número está dentro das recomendações da National Sleep Fundation (Fundação Nacional do Sono) dos Estados Unidos e da Organização Mundial da Saúde (OMS), que é entre 7h e 9h para a população adulta entre 18 e 64 anos.
Dormir pouco x dormir mal
Mas não adianta dormir o número de horas recomendado se elas não acontecerem nos horários estipulados pelo nosso ritmo biológico e não proporcionarem um sono de qualidade, ou seja, sem interrupções, de acordo com os especialistas.
Tufik explica que o corpo humano tem um ciclo circadiano, um tipo de relógio biológico que funciona 24 horas e regula todos os ritmos do organismo: atividade psíquica e mental, metabolismo, disposição etc. Esse relógio também responde a fatores externos, como o dia e a noite.
Durante o dia, costumamos estar mais dispostos. E à noite esse ritmo tende a cair. “É no entardecer que a gente tem um aumento da secreção do hormônio melatonina, um indutor do sono, e ocorre também uma redução da temperatura corporal. Tudo isso ajuda a diminuir o ritmo e nos prepara para dormir”, esclarece o médico.
A espécie humana foi evolutivamente programada para dormir à noite e concentrar as atividades durante o dia, segundo Vânia D’Almeida, professora Associada do Departamento de Psicobiologia. “Nossa fisiologia segue essa mesma lógica”, afirma.
A psiquiatra Gisele Minhoto, professora da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) explica que acordar cansado, querendo dormir mais, e com a sensação de que dormiu pouco são indícios de baixa qualidade do sono. Por esse motivo, ela diz que o ideal é dormir antes da meia-noite.
Da mesma forma que dormir tarde, as interrupções no sono também impedem o descanso. As fases do sono se dividem em quatro. As mais superficiais são chamadas de N1 e N2, e as mais profundas são a N3, a reparadora, que proporciona o descanso físico e mental, e o REM, que é a fase dos sonhos e que tem funções muito importantes, dentre as quais a cognitiva.
“Uma pessoa com distúrbio do sono tem dificuldade de ir para essas últimas fases, e por isso tem uma noite de pior qualidade”, diz Tufik, que acrescenta outras causas que geram a fragmentação do sono, como movimentos periódicos de perna e bruxismo.
Dormir pouco ou mal pode resultar em problemas de saúde, como obesidade, diabetes e doenças cardíacas. “A perturbação dos ritmos circadianos comportamentais mexe com a expressão de alguns genes que regulam nossas vias metabólicas e nossos hormônios”, afirma o geneticista Marcelo Sady, pós-doutor em Genética e Toxicológica e Humana.
Por esse motivo, muitos pacientes que enfrentam mudanças nesse ciclo não conseguem seguir um plano alimentar, têm maior carga de estresse e impulsos alimentares, complementa a médica nutróloga Marcella Garcez. A privação do sono também pode provocar alterações de humor e cognitivas, como a diminuição da atenção e capacidade de concentração.
Mudanças de hábito que favorecem o sono
Mas com algumas mudanças na rotina é possível voltar a dormir bem e prevenir esses males, segundo a endocrinologista Cláudia Nascimento Montemor:
- Crie uma rotina com horário certo para dormir. Se a cada dia você dormir em um horário, o cérebro terá dificuldade em reconhecer o momento para deixá-lo no estágio de sono
- Faça alguma atividade física. A prática de exercícios estimula o corpo a produzir endorfina, responsável pela sensação de bem-estar. Ela também melhora o sistema cardiorrespiratório. Porém, evite os exercícios de alta intensidade à noite. Pratique-os pela manhã ou à tarde, ou pelo menos até três horas antes de adormecer
- Evite ficar na cama até tarde e cochilar durante o dia. Assim, o seu cérebro será condicionado a entender o ambiente apenas como lugar de descanso à noite
- Tome sol diariamente. A luz solar tem a função de regular o sono e ajudar o cérebro a entender que o dia é o momento de vigília e a noite é a hora do repouso
- Prepare-se para o sono. Reduza as luzes acesas duas horas antes do horário de dormir. Baixe o som da TV e de outros aparelhos e, se possível, desligue-os cerca de uma antes de adormecer
- Troque o celular pelo livro. As luzes e as telas de tablet, computadores e celulares atrapalham a liberação de melatonina, hormônio que induz ao sono. Ouça música suave e calma, leia um livro ou tome uma xícara de chá relaxante como o de camomila, erva-cidreira e erva-doce. Todas essas alternativas ajudam a acalmar e preparam o corpo para o sono
- Deixe as preocupações fora do quarto. Se tiver alguma preocupação, anote-a numa agenda, assim, você evita de ficar pensando no problema na hora de dormir
- Faça um lanche leve. Caso sinta fome antes de se deitar, coma uma fruta. Se acordar de madrugada, procure não beliscar, para não criar o hábito de comer à noite ou para eliminá-lo
Por Fabiana Gonçalves
Foto capa: Getty Images
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