Na expectativa de receber a vacina contra o novo coronavírus (Sars-CoV-2), muitas dúvidas acabam surgindo sobre o funcionamento do imunizante e como ele age no nosso corpo.
Uma delas diz respeito sobre como saber se a vacina fez efeito no organismo. Isso acabou levando algumas pessoas a fazer testes —de farmácia e sorológicos— após a aplicação para saber se, de fato, estavam produzindo anticorpos.
Pior: quando o resultado mostra “pouco” ou “nenhum” anticorpo, as pessoas se sentem enganadas e acham que a vacina não funciona e que ainda estão vulneráveis ao vírus.
Mas isso não é verdade.
Afinal, preciso testar após a vacina?
A resposta para a população geral é não. Simplesmente porque muitos testes não foram produzidos para esse tipo de diagnóstico. “Os de farmácia, por exemplo, além de baixa qualidade, são feitos para detectar anticorpos contra uma proteína diferente da utilizada nas vacinas”, explica Natália Pasternak, doutora em microbiologia e presidente do Instituto Questão de Ciência. “Portanto, eles não vão detectar anticorpos produzidos a partir da vacinação.”
O médico Carlos Eduardo dos Santos Ferreira, explica que atualmente já existem testes sorológicos (feitos a partir de sangue colhido em laboratório) que identificam se o organismo conta com anticorpos para a proteína S (de spike) do coronavírus —que tem a produção estimulada pela vacinação.
No entanto, não há necessidade de uma pessoa vacinada sair correndo para realizar o teste só para ter certeza se está imune, já que seu objetivo não é esse e ele nem pode confirmar isso, mesmo que não seja identificado anticorpos.
“Esse tipo de teste pode ser feito, por exemplo, em pesquisas, para acompanhar a eficácia das vacinas. Ou quando uma pessoa vacinada é diagnosticada com covid-19 e o médico entende que é importante saber se o organismo produziu os anticorpos [que iriam contribuir para evitar um caso grave da doença, principal benefício da vacinação]”, explica Ferreira, que ressalta que não é possível fazer esses exames sem um pedido médico e que atualmente os testes que identificam anticorpos para a proteína S não são cobertos pelos planos de saúde nem oferecidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
O principal motivo para a população geral não sair fazendo testes para avaliar se houve a produção de anticorpos após a vacinação é que o resultado não é conclusivo. Ferreira explica que uma pessoa que apresenta anticorpos está protegida, mas ainda assim precisa continuar tomar todos os cuidados para prevenção da covid-19, pois pode pegar e transmitir a doença. Além disso, não é possível afirmar que uma pessoa que não tenha os anticorpos após ser vacinada não foi imunizada e, por enquanto, não há muito o que fazer com a informação de um resultado negativo do teste sorológico.
“A imunidade contra o novo coronavírus não depende apenas de anticorpos. A resposta celular, feita pelos linfócitos T, tem um papel relevante na defesa contra o vírus, e o teste não vai detectá-los”, afirma Pasternak. Mesmo sem a presença de anticorpos, o corpo de uma pessoa vacinada pode produzir as defesas uma vez que entre em contato com o vírus. “Temos células de memória que produzem a resposta imunológica assim que o patógeno aparece no organismo”, diz Pasternak.
Guia de etiqueta pós-vacina
Nunca é demais lembrar que as vacinas disponíveis até o momento no Brasil protegem principalmente contra casos moderados e graves —que provocam hospitalizações e mortes— da covid-19. Mesmo quem está com a vacinação completa (recebeu as duas doses e já aguardou o tempo para a imunização produzir anticorpos) pode contrair o coronavírus e infectar outras pessoas.
Portanto, enquanto a pandemia não estiver controlada e grande parte da população imunizada, as pessoas vacinadas devem manter os cuidados básicos para se proteger e não espalhar a covid-19: usar máscara, manter o distanciamento social, evitar aglomerações e higienizar constantemente as mãos com água e sabão ou álcool em gel.
E antes da vacina? Devo fazer o teste?
Algumas pessoas também ficaram com receio de se imunizarem estando infectadas pelo vírus sem saber. E, por isso, acreditam que devam fazer o teste antes de receber a vacina.
Isso também não é necessário. Primeiro porque, caso a pessoa esteja assintomática ou na janela de infecção em que não apresente sintomas, o risco de qualquer exame (de anticorpos ou PCR) dar falso negativo é grande por conta da baixa contagem de carga viral —e isso seria um desperdício de tempo, dinheiro e matéria-prima de laboratório.
Em segundo lugar, mesmo a pessoa estando infectada sem saber, não há problema em ser vacinado. “O que pode ocorrer é que o sistema imunológico tenha uma resposta ligeiramente menor para o estímulo da vacina, pois ele também estará trabalhando para combater o vírus no organismo”, explica Claudia Maruyama, infectologista.
Ou seja: como estará atuando em duas frentes —combatendo o vírus e ainda produzindo anticorpos estimulado pela vacina— e muito ocupado, o sistema imunológico vai precisar dividir sua energia entre as duas respostas. “Mas isso não é um problema. Na verdade, na conta final, a pessoa estará com a imunidade reforçada”, avalia a especialista.
O imunologista e pesquisador Gustavo Cabral também afirma que não há risco nenhum se isso acontecer. “A pessoa que não sabe que está infectada vai acabar se vacinando e não há problema nisso”, diz ele, que é colunista de VivaBem. “A doença não vai ficar pior porque a vacina foi aplicada.”
Mas vale ressaltar que essa situação só vale para o caso de estar infectado sem saber. Se você apresentar sintomas gripais ou que indiquem a infecção pelo novo coronavírus, a recomendação é ficar em casa, manter o isolamento e não tomar a vacina neste momento —principalmente porque você pode infectar outras pessoas que estarão no local da vacinação.
Como não existem estudos evidenciando o que acontece caso uma pessoa infectada na fase aguda receba a vacina, os médicos recomendam aguardar pelo menos 30 dias —contando a partir do primeiro dia dos sintomas— para receber o imunizante.
“Não quer dizer que há risco para a saúde do indivíduo”, diz Maruyama, que reforça que as vacinas são seguras. “Mas, como a medicina trabalha com evidências científicas, e não há estudos sobre isso, a orientação é no sentido de ter cautela enquanto aguardamos mais dados a respeito.”
Se a pessoa for infectada entre a primeira e a segunda dose da vacina, a recomendação também é esperar 30 dias (a partir do primeiro dia de sintomas) para a aplicação do reforço.
Por Danielle Sanches
Foto Capa: Reuters/Adriano Machado/Direitos Reservados
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