
A explosão das plataformas de apostas online no Brasil, popularizadas pelo famigerado “jogo do tigrinho” e similares, escancarou uma realidade preocupante que ultrapassa os limites do entretenimento e invade tanto lares quanto ambientes de trabalho.
Não são poucos os relatos que circulam na imprensa e nas redes sociais de pessoas que perderam tudo: patrimônio, família, estabilidade emocional e, tragicamente, há casos concretos de pessoas que chegaram ao suicídio após se afundarem em dívidas geradas pelo vício em apostas. O problema deixou de ser uma questão de escolha pessoal e passou a ser, sem exageros, uma questão de saúde pública.
E quando essa prática começa a comprometer também a produtividade, a disciplina e o funcionamento das empresas, surge uma pergunta inevitável: o empregador pode demitir por justa causa um funcionário que aposta no “tigrinho” durante o expediente?
A resposta é objetiva: sim, pode. E a Justiça do Trabalho confirma isso.
O caso julgado: a aposta no tigrinho virou motivo de demissão
Foi exatamente o que aconteceu na decisão recente da 2ª Vara do Trabalho de Barueri, São Paulo. Uma auxiliar de escritório foi dispensada por justa causa após a comprovação de que realizava apostas online durante o horário de expediente.
O cenário era claro: uso indevido do telefone celular no ambiente de trabalho, publicações em redes sociais ostentando ganhos obtidos nas apostas, descumprimento direto das normas da empresa e, sobretudo, desvio das atividades para as quais era remunerada.
A sentença foi categórica ao afirmar que a conduta configurou mau procedimento e quebra da fidúcia, sendo motivo mais que suficiente para a rescisão por justa causa.
As apostas são legais, mas isso não dá salvo-conduto para apostar no trabalho
Com a entrada em vigor da Lei 14.790/23, que regulamenta a exploração de apostas esportivas e jogos online no Brasil, muitos trabalhadores passaram a acreditar — de forma equivocada — que se trata de uma atividade sem qualquer restrição, inclusive no ambiente corporativo.
Mas há uma diferença elementar entre a legalidade da atividade econômica e a licitude da conduta no contrato de trabalho.
Se o empregado dedica seu tempo, que deveria ser destinado ao cumprimento das tarefas laborais, para realizar apostas, ele não apenas incorre em desídia, como também pode, a depender do contexto, enquadrar-se nas hipóteses de mau procedimento ou quebra de deveres contratuais, tipificados no artigo 482, alíneas “e” e “b” da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Além disso, o próprio artigo 482, alínea “l”, da CLT, expressamente prevê a prática constante de jogos de azar como motivo legítimo para justa causa.
O problema social invisível: o tigrinho como porta de entrada para o colapso financeiro e emocional
O crescimento desenfreado das apostas online não é isento de tragédias. Notícias se multiplicam sobre pessoas que perderam heranças, imóveis, veículos, salários inteiros e, em casos extremos, a própria vida.
Há relatos contundentes de suicídios associados ao vício em jogos como o “tigrinho” — uma plataforma que promete ganhos fáceis, mas esconde uma lógica matemática pensada para gerar prejuízo à esmagadora maioria dos jogadores.
Esse cenário não pode ser ignorado pelo Direito do Trabalho. Empresas não são centros de reabilitação nem instituições de acolhimento social. Embora devam zelar por um ambiente saudável, seu principal objetivo é a produção, o cumprimento de metas e a execução de suas atividades-fim.
Quando o empregado converte parte relevante de sua jornada laboral em tempo destinado às apostas — especialmente em jogos reconhecidamente nocivos e com elevado potencial de dependência — não resta alternativa ao empregador que não seja adotar as medidas disciplinares cabíveis.
Regulamento interno: a ferramenta que separa o risco do controle
Se há uma lição prática que empregadores devem extrair deste cenário, ela é clara: quem não possui um regulamento interno bem estruturado está exposto a um risco jurídico desnecessário e evitável.
Não basta alegar que a prática de apostas no expediente é proibida. É necessário que isso esteja formalizado, documentado e conhecido por todos os empregados.
Um regulamento interno robusto, elaborado de forma técnica, alinhado à legislação vigente e à jurisprudência atual, deve prever expressamente:
- A proibição do uso de celulares para atividades não relacionadas ao trabalho durante a jornada;
- A vedação de apostas online, jogos de azar, acesso a plataformas de entretenimento, redes sociais e outras práticas que desviem o foco das atividades laborais;
- A política de escalonamento de penalidades, desde advertências, suspensões até a dispensa por justa causa em casos de reiteração ou gravidade;
- Cláusulas de proteção à imagem da empresa, à produtividade e à saúde organizacional;
- Assinatura formal de ciência e concordância de cada colaborador.
Sem isso, qualquer tentativa de aplicar uma justa causa pode ser fragilizada judicialmente e até revertida em reintegração ou indenização.
O Judiciário não tem hesitado: quem aposta no expediente corre sério risco de perder o emprego
Decisões como a do TRT da 6ª Região são firmes:
“Prática habitual de jogos de azar, realizada durante o expediente, afeta diretamente a produtividade e configura falta grave, nos termos do art. 482, alínea ‘l’ da CLT.” (TRT-6 – RO 0000885-05.2016.5.06.0311)
E, da mesma forma, o processo julgado pelo TRT-2, sob nº 1000272-34.2024.5.02.0202, confirma que a atuação do empregado, desviando-se das funções laborais para realizar apostas online, autoriza a rescisão motivada do contrato de trabalho.
Conclusão: apostar no tigrinho não é entretenimento no horário de trabalho. É risco, é falta grave, é passivo trabalhista para quem não se protege.
O crescimento das apostas online expôs não apenas indivíduos, mas também empresas, a riscos que até então não eram tão palpáveis.
Empregadores que fecharem os olhos para essa nova realidade, ignorando a necessidade de políticas internas claras e formalizadas, estarão assumindo o risco de enfrentar passivos trabalhistas significativos, seja pela dificuldade de aplicar sanções, seja pela reversão de demissões por justa causa.
Por outro lado, empresas que se posicionarem de forma profissional, adotando regulamento interno eficiente, treinamento de equipes, comunicação clara das regras e gestão ativa de condutas, estarão protegidas e juridicamente respaldadas.
Se a sua empresa ainda não tem um regulamento interno, essa é a hora de agir. O custo da prevenção é, sem sombra de dúvida, infinitamente menor que o custo de uma condenação trabalhista.
Porque, no fim das contas, quem aposta no horário de trabalho, perde muito mais do que dinheiro. Perde o emprego.
Sebastião Barbosa Gomes Neto — OAB/GO 50.000
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás
Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET/GO
Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC/MG
sebastiaogomesneto.adv.br
Foto: Arquivo Pessoal
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