A onda de calor que Goiás passou nas últimas semanas, o ciclone que deixou dezenas de mortos no Rio Grande do Sul e a seca severa na Região Amazônica são sintomas da mudança climática, neste ano especificamente, associados ao El Niño mais intenso. Os fenômenos chamam atenção para uma necessidade urgente explicitada por cientistas: a adaptação das cidades às transformações no clima.
A emergência climática deixou de ser algo “no futuro”. Ela já afeta o dia a dia no planeta. Neste contexto, Goiás tem as próprias fragilidades. No estado, 181 municípios possuem índice de risco médio (145), alto (33) ou muito alto (3) para inundações, enxurradas e alagamentos, um dos dois parâmetros da plataforma Adapta Brasil. O território goiano tem 246 cidades e só 65 estão nas faixas baixo (61) e muito baixo (4). O outro é deslizamento de terra (veja quadro).
O índice de risco é formado por uma tríade de fatores. São eles: vulnerabilidade, exposição e ameaça. O primeiro é a resultante de sensibilidade e capacidade adaptativa, indicadores medidos pela plataforma. A exposição olha para as moradias e a densidade demográfica. O último dos três aspectos trata das condições do território e considera variáveis como topografia e cobertura do solo, entre outros.
A vulnerabilidade é mais acentuada entre os três fatores. Ao todo, 163 municípios de Goiás têm este índice caracterizado como alto (133) ou muito alto (30).
“A ameaça climática é um fator externo ao sistema de uma previsão climática. A vulnerabilidade caracteriza o sistema que pode ser afetado. Então, são elementos do próprio sistema. São características intrínsecas do sistema”, explica o especialista em impactos, vulnerabilidade e adaptação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Diogo Santos.
Em relação ao segundo índice, o de risco para deslizamento de terra, os números são menos expressivos. Nos degraus muito alto, alto e médio são 123 municípios. Os que figuram nos dois patamares menos severos somam 36. Os dados levantados pelo POPULAR são da plataforma Adapta Brasil, do MCTI. A organização das informações da ferramenta segue a mesma linha do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Elas estão hierarquizadas e é possível qualquer cidadão observar como está a localidade em dezenas de indicadores (veja quadro).
Improviso
Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), o engenheiro civil Klebber Formiga avalia que a cultura nacional faz com que não estejamos preparados nem para a situação corrente, independente da emergência climática. “Estamos correndo atrás, é comum no Brasil fazer isto, tomar medidas depois que o pior aconteceu. Estamos apagando incêndio em vez de prevenir.”
“É preciso mudanças em diferentes áreas, tanto na engenharia de desastres naturais, quanto também em outras partes, como geração de energia, por exemplo”
Klebber Formiga, doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento
A emergência climática em Goiás vai se apresentar de diversas formas. Formiga, que também é doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento, afirma que os estudos indicam uma redução média de 5% nas vazões dos mananciais. Reportagem do POPULAR do último dia 12 de agosto mostrou que eventos extremos devem ficar mais severos e atípicos por aqui.
O comportamento da chuva está associado aos eventos extremos. Pode haver secas mais intensas e, no período chuvoso, as precipitações se tornarão mais irregulares, com distorções no que conhecemos como período chuvoso.
A adaptação é necessária para proteger vidas e também a economia. “É preciso mudanças em diferentes áreas, tanto na engenharia de desastres naturais, quanto também em outras partes, como geração de energia, por exemplo”, considera Formiga.
Outro ponto ressaltado pelo especialista é quanto aos sistemas de alertas de desastres naturais, considerados por ele “muito incipientes” no País. O Brasil possui o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), no entanto, em Goiás apenas nove municípios (Alexânia, Anápolis, Baliza, Ceres, Formosa, cidade de Goiás, Itumbiara, Novo Gama e Uruaçu) são cobertos.
Detalhe
A Defesa Civil fornece avisos por SMS, mas eles precisarão ser mais bem detalhados. “Não implementamos uma rede de alertas mais eficazes. Chega a informação ‘chuvas fortes em Goiânia amanhã’, mas sem dizer quantos milímetros serão e em quais locais”.
A ferramenta do MCTI foi criada para fornecer subsídios a prefeitos, gestores estaduais e de pastas federais. Os dados podem servir para a elaboração de planos de adaptação. “A gente entende que a nossa missão é avançar com a fronteira do conhecimento e trabalhar esta informação científica de tal forma que ela esteja à disposição dos tomadores de decisão, que são responsáveis pelas políticas setoriais”, afirma o coordenador-geral de Ciência do Clima do MCTI, Márcio Rojas.
Soluções têm de ser particulares
Arquiteta e urbanista, conselheira federal suplente por Goiás do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), Adriana Bernardi firma como ponto central para a adaptação das cidades a drenagem urbana. “A cidade existe e já está impermeabilizada. A gente não consegue sair quebrando casas para deixar a cidade menor. Temos de pensar em como esta água infiltra ou o que fazemos com ela.”
A arquiteta e urbanista explica também que a velocidade da água é uma questão muito relevante, uma vez que mesmo que não ocorra alagamentos, o deslocamento do líquido pode causar estragos.
A busca por soluções, explica a especialista, passa por utilizar soluções baseadas na natureza, que são projetos inspirados no fluxo natural de ecossistemas. Adriana ressalva que o poder público tem responsabilidades, mas que grande parte da área impermeabilizada é privada. “A gente precisa educar a população e o poder público deve aprender com as soluções da natureza, que normalmente são mais baratas.”
“Mesmo dentro de uma cidade nós temos regiões diversas. Carece primeiro desta leitura, entender qual é o problema para depois propormos medidas”
Adriana Bernardi, arquiteta e urbanista
Sobre a estruturação de planos de adaptação à mudança climática, a arquiteta e urbanista lembra que é necessário um diagnóstico preciso de cada local, para que as ações mitigadoras sejam adequadas. “Mesmo dentro de uma cidade nós temos regiões diversas. Carece primeiro desta leitura, entender qual é o problema para depois propormos medidas”, explica.
Sobre o conforto ambiental, a especialista lembra que árvores são importantes dentro de um projeto bem estruturado. “Se a gente tem ilha de calor, um clima muito seco, falta de vegetação. As árvores fazem evapotranspiração (o que aumenta a umidade). Podemos criar corredores de ventos com o plantio de árvores. Há ventos dominantes, tudo isso é demarcado, sabemos de onde o vento está vindo”, explica.
Semad está atenta à questão
O Governo de Goiás ainda não possui uma política para adaptação à mudança climática. No entanto, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) criou a Gerência de Mudanças Climáticas para tratar do tema. Em nota, a secretaria afirmou que um dos passos relacionados ao assunto foi a publicação da Estratégia Goiás Carbono Neutro 2050. Ele é fundamentado em três eixos. Um deles aborda a temática e prevê a “elaboração e implementação de políticas públicas de mitigação de emissões e adaptação às alterações nos padrões climáticos”. A partir desta diretriz, deve haver estudos para mapear quais as principais vulnerabilidades climáticas do estado.
“Por ser uma política robusta, que requer articulação com diversos setores, entidades e sociedade civil, a Semad trabalha na reabertura do Fórum Goiano de Mudanças Climáticas”, afirma a secretaria.
A Semad afirma também que prospecta parcerias para Goiás ter um plano de ação climática e lembra que os municípios são fundamentais na execução. A secretaria afirma também que monitora a meteorologia para ter alertas que orientem ações, inclusive, da Defesa Civil.
Comitê ainda será criado
Um plano para adaptação às transformações no clima em Goiânia ainda deve demorar algum tempo. O município ainda estrutura a criação do Fórum Goianiense de Mudanças Climáticas. A Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) afirma que o objetivo será “promover a cooperação, o diálogo e desenvolver estratégias entre os diferentes setores da sociedade para o enfrentamento dos problemas”.
O comitê deve tratar de programas de certificação sustentável; manutenção de áreas de preservação por parte de pessoas e empresas; arborização, limpeza e educação ambiental.
O passo mais próximo de uma resposta à emergência climática trata de um dos pontos centrais: drenagem urbana.
A administração municipal tem um convênio com a Universidade Federal de Goiás (UFG) para a elaboração do Plano Diretor de Drenagem Urbana. A previsão é que o documento fique pronto até o fim do próximo ano ou início de 2025. Atualmente, de maneira pontual, a Prefeitura afirma trabalhar para solucionar 11 pontos de alagamento em Goiânia.
Fonte: O Popular
Foto: Tiago Araújo
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