
Se você corre ou já tentou começar a correr, provavelmente ouviu que deveria descobrir seu tipo de pisada para escolher o tênis certo e evitar lesões. Muitos corredores iniciantes fazem testes em lojas, escaneiam a planta do pé ou até buscam exames de baropodometria para encontrar a “pisada ideal”. Mas será que isso realmente funciona?
Segundo estudos recentes, a ideia de que existe uma pisada certa para cada corredor pode ser mais mito do que ciência. Uma revisão publicada no British Journal of Sports Medicine analisou dados de mais de 20 mil corredores e concluiu que não há relação direta entre o tipo de pisada (neutra, pronada ou supinada) e o risco de lesões. Ou seja, ter a pisada “errada” não significa que você vai se machucar.
Outro estudo de 2020, conduzido por pesquisadores da Universidade de Exeter, na Inglaterra, acompanhou 900 corredores por um ano e não encontrou diferença significativa na taxa de lesões entre os diferentes tipos de pisada. Na prática, pessoas com pisadas variadas se machucaram com a mesma frequência.
O fisioterapeuta esportivo Mateus Lima, mestre em Ciências da Saúde, reforça que o corpo humano é adaptável e que os pés, tornozelos e joelhos conseguem lidar com diferentes formas de pisar.
“Não existe uma fórmula mágica. O mais importante é como o corpo inteiro se comporta durante a corrida, e não apenas o pé. Fatores como força muscular, mobilidade, volume de treino e descanso são muito mais determinantes para evitar lesões do que o tipo de pisada”, explica o especialista.
Isso não significa que o tênis é irrelevante. Um calçado desconfortável ou com amortecimento inadequado para o seu corpo pode, sim, atrapalhar. Mas tentar “corrigir” sua pisada usando palmilhas ou modelos controladores de movimento nem sempre resolve o problema.
“Hoje sabemos que mudar o padrão natural da corrida pode causar novas dores. Se o corredor está acostumado com uma pisada pronada leve, por exemplo, forçá-lo a usar um tênis para neutralizar isso pode gerar tensão no joelho ou quadril”, comenta Mateus.
A ideia de que a pisada define o risco de lesão começou a ganhar força nos anos 90, quando marcas de tênis passaram a divulgar esse conceito como ferramenta de marketing. Com o tempo, no entanto, os estudos científicos não conseguiram confirmar a teoria.
Atualmente, os especialistas defendem o conceito de “conforto adaptativo”. Em outras palavras, o melhor tênis é aquele que você calça e sente que pode correr bem. Parece simples, mas tem base científica: uma pesquisa da Universidade do Colorado mostrou que corredores que escolhiam seus próprios tênis com base no conforto apresentavam menos dores e se adaptavam mais rápido aos treinos.
Outro ponto importante é o volume de treino. A maioria das lesões na corrida não vem da pisada, mas sim do excesso de carga. Aumentar a quilometragem rápido demais, correr todos os dias sem descanso ou não fazer fortalecimento muscular são atitudes que elevam — e muito — o risco de se machucar.
Dicas para correr com segurança, independentemente da pisada:
- Escolha um tênis confortável, que se adapte ao seu pé.
- Aumente o volume de treino aos poucos.
- Fortaleça pernas, quadril e core para dar suporte ao corpo durante a corrida.
- Respeite os sinais do corpo e não insista em correr com dor.
- Procure orientação de um profissional se notar desconfortos persistentes.
A verdade é que a corrida é uma atividade simples, mas exige responsabilidade. Preocupar-se demais com a pisada e esquecer de treinar com inteligência pode ser um erro. O corpo humano é inteligente, adaptável e muito mais resistente do que imaginamos.
A ciência atual deixa claro: seu tipo de pisada não determina se você vai se lesionar ou não. O que realmente importa é a forma como você treina, se descansa e fortalece o corpo. Escolha o tênis mais confortável, respeite seus limites e foque no que realmente faz diferença. Sua corrida agradece — e seus joelhos também.
Mateus M. Lima | Fisioterapia e quiropraxia especializada
Mestre em Saúde | Pós em Traumato & Esportiva
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