
Em outubro do ano passado, quando aceitou a proposta de raspar a cabeça para viver um personagem portador de câncer numa campanha de vídeo para o grupo Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Marília Furtado, de 35 anos, não imaginava que ela própria já estava com a doença. A decisão, naquele momento, veio a calhar para a produtora de vídeo e atriz freelancer que, mais do que ganhar uma grana extra, queria homenagear uma das irmãs que já enfrentava um câncer de mama. Entretanto, cinco meses depois veio o diagnóstico avassalador. Marília descobriu que estava com câncer de colo de útero. E como ela mesmo diz, “a arte imitou a vida”.
A campanha de vídeo foi produzida em Goiânia no mês de outubro e veiculada em emissoras de televisão de todo o Brasil no mês seguinte. A Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, que reúne organizações da sociedade civil, profissionais liberais, associações e movimentos sociais, buscava alguém para viver no vídeo Você Tem o Direito de Saber o que Come, o personagem diagnosticado com câncer em virtude de escolhas alimentares inadequadas induzidas pela publicidade e informações complexas dos produtos ultraprocessados.
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Alguns atores pleiteavam a oportunidade. Marília Furtado, produtora da agência onde o vídeo foi produzido, também se apresentou para fazer o teste. “Naquele momento eu estava preocupada com minha irmã em tratamento para combater um câncer de mama e também acompanhava a luta da mãe de um amigo com a mesma doença que enfrentava as dificuldades da saúde pública. Não sabia que eu também já estava doente”. Ela não poderia suspeitar porque não tinha sintomas e até então se sentia muito saudável.
Descoberta
Em dezembro a vida deu uma guinada. “Eu senti muitas cólicas e meu fluxo menstrual aumentou”, explica Marília. As dores se avolumaram na semana de festas de dezembro quando esteve em Jataí para visitar a família. No retorno a Goiânia, onde vive sozinha, decidiu procurar um médico e o diagnóstico, um mioma uterino, muito comum, não pareceu tão assustador, embora tenha provocado dúvidas. “Uma amiga chegou a comentar que eu estava sugestionada pelo vídeo e pela doença da minha irmã”.
Durante dois meses Marília ingeriu medicamentos para amenizar as dores e sentiu que algo não estava normal no útero, como a movimentação de um líquido. “Uma coisa muito estranha.” A persistência do incômodo a levou a procurar outro profissional no início de março. “Ele foi direto. Disse que era câncer e que eu teria que correr. Fiquei sem chão”, lembra.
A amiga, Líbia Gomides, que a acompanhava, revela que foram muitos “porquês”. “Mas em momento nenhum eu fiquei indignada”, afirma Marília. Paralelo aos questionamentos, ela recebeu uma mensagem do produtor do vídeo do qual participara. “Do nada ele me perguntou como eu estava e respondi que eu me encontrava numa situação em que a vida imita a arte”. Do outro lado não houve uma resposta imediata, mas um silêncio perturbador.
Amigos de Marília ajudam com mobilização nas redes sociais
Após absorver a notícia, Marília sabia que teria de ser prática e tomar decisões. Procedente de uma família com modestos recursos financeiros e sem trabalhar por causa das dores, era necessário encontrar uma forma de fazer o tratamento. Orientada pelos médicos, precisou de uma semana para entrar no Sistema Único de Saúde (SUS) para acessar o Hospital Araújo Jorge, referência em tratamento de câncer. O primeiro procedimento, uma tomografia computadorizada, já foi realizado, e esta semana começa efetivamente o tratamento com sessões de radioterapia e quimioterapia.
“Ela tem um coração grande e uma enorme rede de amigos”, conta a advogada Líbia, uma das pessoas que está movimentando as redes sociais numa campanha para ajudar Marília a atravessar o turbilhão. A jovem é apontada como uma pessoa alegre, intensa e cheia de vida. Logo após a notícia, hashtags como #Mariliatamujunto, #mariliafurtado e #todospelamarilia foram disseminadas pela internet. O objetivo primordial é conseguir dinheiro para a manutenção pessoal da produtora e também dos animais que ela cuida. Condoída por bichos abandonados, Marília costuma levar para casa cães e gatos que encontra pela rua.
Os amigos decidiram que os oito gatos que vivem com ela neste momento serão abrigados em outro local, mas os dois cães – mãe e filho – vão continuar com ela. “Não posso desfazer assim da minha família”, brinca Marília. Por enquanto, ela não dimensiona o que está por vir, mas se sente afagada pelos amigos. “Graças a Deus que tenho amigos e não são poucos”. Além de rifas e galinhadas em prol da produtora, uma conta foi aberta no Banco do Brasil – Agência: 3648-X e CC: 35786-3 – em nome de Marília Furtado Silva.

Malu Longo – Do O Popular
Foto Capa: Cristiano Borges / O Popular)