Stalking no trabalho: a perseguição silenciosa que pode virar um processo

No mundo corporativo moderno, fala-se cada vez mais em produtividade, inovação e ambiente colaborativo. Contudo, um mal muitas vezes ignorado, mas profundamente destrutivo, pode estar se infiltrando silenciosamente nas relações interpessoais dentro das empresas: o stalking no ambiente de trabalho.
Popularmente conhecido como “perseguição obsessiva”, o stalking é uma conduta repetitiva e invasiva, voltada a vigiar, controlar ou assediar moralmente alguém. No ambiente corporativo, assume contornos ainda mais graves, pois compromete não apenas a saúde emocional da vítima, mas também a segurança jurídica do empregador, que responde objetivamente pela manutenção de um ambiente de trabalho sadio, inclusive sob o ponto de vista psicológico.
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O QUE É STALKING E COMO ELE SE CONFIGURA COMO DANO MORAL?
Segundo o professor Lélio Braga Calhau, o stalking é uma forma de violência marcada por repetidas investidas que violam a privacidade da vítima — com métodos que vão desde o envio constante de mensagens, ligações, presentes, até a perseguição física ou virtual (ciberstalking). Quando essa prática se dá no local de trabalho, ela pode configurar uma espécie de assédio moral, especialmente quando reiterada e dotada de intencionalidade persecutória.
O dano moral aqui decorre da invasão contínua da vida privada, do abalo emocional e da humilhação pública. E o mais importante: o empregador responde objetivamente, mesmo que não tenha participado diretamente da conduta — basta que tenha tido ciência e se omitido, ou sequer tenha implementado mecanismos de prevenção.
STALKING NO TRABALHO: VERTICAL E HORIZONTAL
O stalking pode acontecer tanto de forma vertical quanto horizontal. Na modalidade vertical, ele ocorre entre pessoas de hierarquia diferente, como um superior que persegue ou controla um subordinado. Já na modalidade horizontal, o perseguidor está no mesmo nível hierárquico da vítima — o que é ainda mais difícil de identificar sem canais eficazes de denúncia e acompanhamento.
Importante destacar que o stalking não é uma prática restrita a um único gênero. Tanto homens quanto mulheres podem ser autores ou vítimas desse tipo de conduta. Há registros crescentes de perseguições cometidas por mulheres contra colegas de trabalho, sejam homens ou outras mulheres — com métodos igualmente danosos, como o envio obsessivo de mensagens, tentativas de controle da rotina, chantagens emocionais e até a disseminação de boatos. A questão de gênero não é determinante para a existência ou gravidade do stalking; o que caracteriza a prática é a repetição da conduta invasiva, o intuito de controlar e o prejuízo causado à vítima.
O QUE A JUSTIÇA DO TRABALHO DE GOIÁS JÁ JULGOU
Em um caso julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região, uma empregada foi vítima de stalking praticado por um colega de trabalho. O comportamento do agressor ultrapassava todos os limites: ele vigiava os passos da colega, controlava seus horários, registrava em planilhas os momentos em que ela saía para lanchar e com quem, além de tirar fotos dela acompanhada de outros homens com o objetivo de alegar que ela estaria traindo o marido.
Mesmo ciente da situação — uma vez que a supervisora foi informada e encaminhou o caso à instituição responsável — a empregadora nada fez para coibir a conduta. As testemunhas confirmaram que o ambiente era constrangedor, e que a planilha com anotações sobre a rotina da trabalhadora era de conhecimento comum entre os empregados.
A Justiça considerou que essa era uma forma clara de assédio moral por meio de stalking, pois a empregada teve sua privacidade violada, sua honra abalada e sua liberdade comprometida em função de perseguições obsessivas e sistemáticas. A corte reconheceu a responsabilidade objetiva da empregadora, nos termos do art. 932, III do Código Civil, e fixou indenização por danos morais, inicialmente em valor inferior, mas depois majorada para R$ 10.000,00 em razão da gravidade do caso e da omissão patronal.
O acórdão ainda destacou que o assédio moral pode ocorrer tanto na esfera pública quanto na privada, em relações verticais ou horizontais, e que a proteção ao ambiente de trabalho saudável deve incluir também o aspecto psicológico e relacional, conforme propõe a Convenção 190 da OIT, ainda não ratificada pelo Brasil.
E O CIBERSTALKING?
Com a intensificação do uso de redes sociais, grupos de mensagens e aplicativos corporativos, o stalking ganhou uma nova roupagem: o ciberstalking. É a perseguição feita por meio de canais digitais, como mensagens repetitivas, monitoramento de postagens, gravações de chamadas, controle de localização via aplicativos, ou até mesmo a exposição indevida de informações pessoais ou profissionais.
O dano, nesses casos, pode ser ainda mais profundo, pois extrapola o horário de trabalho e invade a vida privada da vítima mesmo fora da jornada laboral. Isso compromete a saúde mental do trabalhador e expõe o empregador a ainda mais riscos legais.
O QUE OS EMPREGADORES DEVEM FAZER?
Para evitar que situações como essa ocorram ou se agravem dentro de sua empresa, é dever do empregador agir com diligência e prevenção. Veja algumas medidas fundamentais:
- Institua um canal de denúncias seguro e sigiloso, com acolhimento profissional e isento;
- Inclua o stalking como hipótese de falta grave nos códigos de conduta e regimentos internos;
- Ofereça treinamentos periódicos sobre respeito, ética no trabalho e limites da vida privada;
- Atue de forma imediata e transparente diante de qualquer denúncia, evitando a revitimização;
- Monitore o clima organizacional com pesquisas internas e acompanhamento do RH e da CIPA;
- Esteja atento ao comportamento de gestores e colegas, especialmente em ambientes com tensão hierárquica.
CONCLUSÃO: QUEM LIDERA DEVE PROTEGER
Empresas que almejam um ambiente produtivo, seguro e ético precisam ir além do discurso. O stalking — seja presencial ou virtual, praticado por homens ou mulheres, superior ou colega — é uma forma de violência psicológica real e grave, com impacto direto na dignidade do trabalhador e na responsabilidade civil do empregador.
Ignorar sinais de perseguição, minimizar denúncias ou protelar providências pode transformar uma conduta individual em um passivo trabalhista relevante e, pior, em um símbolo de descaso institucional.
Mas mais do que evitar condenações judiciais, prevenir o stalking é proteger pessoas. É assumir o compromisso de garantir que todos, independentemente de gênero ou cargo, tenham direito à paz, à privacidade e ao respeito no local onde passam a maior parte de seus dias: o trabalho.
Ambientes saudáveis não se constroem com neutralidade, mas com liderança ativa, políticas claras e atitudes firmes diante de qualquer forma de violência. Combater o stalking é, antes de tudo, um dever de quem lidera.
Sebastião Barbosa Gomes Neto — OAB/GO 50.000
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Goiás
Pós-graduado em Direito Tributário pelo IBET/GO
Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC/MG
Negociador
sebastiaogomesneto.adv.br
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