Proibido, mas liberado: jovens brasileiros têm acesso fácil a bebidas alcoólicas
No Brasil, sete em cada dez adolescentes que consomem bebidas alcoólicas afirmam nunca ter enfrentado restrição na hora da compra, mesmo com a prática sendo ilegal. O dado faz parte do terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad III), divulgado nesta segunda-feira (14) pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O estudo contou com parceria da Ipsos e financiamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
A pesquisa entrevistou 16.608 brasileiros com 14 anos ou mais, em 349 municípios distribuídos por todas as regiões do país. O resultado chama atenção: o acesso de menores é ainda maior no Nordeste, onde 88,2% dos adolescentes nunca foram impedidos de comprar álcool. Em seguida aparecem as regiões Sudeste (73,4%), Norte (68,2%), Sul (68,1%) e Centro-Oeste (67,1%).
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Os bares surgem como o principal ponto de compra, citados por 76,1% dos jovens. Outros meios também se destacam: intermediação de adultos (44,9%), vendedores ambulantes (34,4%), compra por terceiros (33%), aplicativos de entrega e internet (16,4%) e até o roubo de bebidas em casa ou em estabelecimentos (3,3%).
Além disso, 30,9% dos adolescentes que bebem frequentam festas do tipo open bar — eventos fortemente associados ao consumo excessivo. Outros 23,5% já compraram bebidas por preços muito abaixo do normal, o que eleva o risco de adulteração e contrabando. Essas aquisições ocorrem, principalmente, em comércios (83,9%), festas abertas (62,6%) e locais públicos (65,5%).
Consumo abusivo preocupa especialistas
A professora Clarice Madruga, coordenadora do Lenad e pesquisadora da Unifesp, explica que “a falta de regulação de bebidas alcoólicas no Brasil sempre esteve entre os maiores desafios para a saúde pública”. Segundo ela, “a combinação de disponibilidade irrestrita, pouca fiscalização e baixo preço cria o ambiente perfeito para o abuso entre os jovens”.
Os números reforçam o alerta. Cerca de 27,6% dos adolescentes entre 14 e 17 anos já consumiram álcool alguma vez, índice que chega a 36,7% na região Sul. No último mês, 10,4% afirmaram ter bebido. As bebidas mais comuns são a cerveja (40,5%), seguidas por ice (31,9%), destilados (30,2%), vinho (14,4%), coquetéis (7,3%), cachaça (2,9%) e “corote” (1,5%).
O consumo médio é de 3,7 doses por ocasião, número que ultrapassa o limite recomendado. Além disso, 23,7% dos jovens relataram episódios de binge drinking — quando o consumo ocorre em curto período — e 34,4% apresentaram padrão de uso pesado episódico, ambos ligados a sérios riscos à saúde física e mental.
Propostas para conter o acesso de menores
Diante do cenário, o comitê científico do Lenad e um grupo de especialistas elaboraram recomendações inspiradas em políticas nacionais e internacionais. As medidas foram divididas em cinco eixos principais, que buscam equilibrar regulação, prevenção e tratamento:
1. Reduzir a disponibilidade e controlar o acesso por menores: fortalecer a fiscalização da proibição de venda, regular o comércio informal e digital, exigir verificação de idade em aplicativos, limitar horários e proibir eventos open bar.
2. Garantir controle de qualidade e autenticidade das bebidas: restabelecer um sistema nacional de rastreabilidade e controle da produção, integrando órgãos como a Vigilância Sanitária e a Receita Federal. Dessa forma, seria possível aumentar a segurança do consumidor.
3. Regular a publicidade e promover comunicação responsável: ampliar restrições a todas as bebidas alcoólicas, proibir patrocínios em eventos culturais e esportivos e incluir advertências sanitárias em rótulos e campanhas. Assim, reduz-se a exposição de crianças e adolescentes à influência do marketing.
4. Investir em intervenção precoce e tratamento: implementar triagens e intervenções breves na Atenção Primária, capacitar profissionais e incluir o tema nos currículos universitários. Com isso, os casos de abuso podem ser identificados e tratados mais cedo.
5. Fortalecer a integridade científica e a transparência: criar uma política nacional para prevenir conflitos de interesse e garantir independência na formulação de políticas públicas sobre álcool.
Para Zila Sanchez, professora do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp, o Brasil precisa agir com urgência. “É essencial restringir o marketing, controlar a oferta e elevar o preço das bebidas. Caso contrário, adolescentes continuarão expostos a um produto que traz graves consequências para a saúde pública”, alerta.
Por Gessica Vieira
Foto: Reprodução
Jornalismo Portal Pn7
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